sexta-feira, 15 de março de 2013

1851-1853. Herculano Desconhecido. António José Saraiva. «Entretanto cumpre sustentar e defende contra as demasias do poder e contra as teorias muitas vezes erradas das escolas e dos partidos aqueles interesses que indubitavelmente são comuns às duas grandes classes…»

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(Continuação)

«Contra tais ambições quando vierem ferir os direitos dos cidadãos úteis, das verdadeiras maiorias, é que o Portuguez há-de sempre combater. Os interesses dessas maiorias que trabalham, produzem e calam são complexos quanto às cousas e quanto às pessoas. Abrangem o capital produtivo em todas as suas manifestações e o trabalho em todas as suas formas: dizem respeito ao proprietário na significação mais extensa da palavra, e ao salariado, ao proletário em todas as variadas gradações da sua existência económica. Tais interesses parecem às vezes contrariar-se, mas são muitas vezes evidentemente homogéneos: os progressos lentos da verdadeira ciência política que se estriba na experiência e na observação dos fenómenos sociais há-de gradualmente ir delindo essas antinomias aparentes. Entretanto cumpre sustentar e defende contra as demasias do poder e contra as teorias muitas vezes erradas das escolas e dos partidos aqueles interesses que indubitavelmente são comuns às duas grandes classes dos produtores contribuintes. É o que o Portuguez tentará fazer. Se algum a vez errar será por defeito de inteligência; não de boa e sincera vontade.
Aceitando todas as verdades económicas incontestáveis adquiridas para a ciência do governo, o Portuguez dará sempre a primazia à mais importante de todas elas, a prudência na sua aplicação. Essas verdades achadas por uma poderosa generalização de fenómenos longa e atentamente observados não são mais do que a síntese deles. Quando os factos a que temos de aplicá-los são, pelas circunstâncias peculiares do país, discordes daqueles em que a doutrina se fundou, a aplicação absoluta, irreflectida dessa doutrina será sempre absurda e fatal. Dous dos princípios mais indubitáveis da ciência económica são o da liberdade de indústria e comércio, e o da simplificação dos tributos até os reduzir a um imposto único, directo, justo pela proporcionalidade. Dentro talvez de um ou dous séculos, eles reinarão na Europa sem contradição. Aplicai porém estes dous princípios a Portugal onde todas as indústrias, as que devem morrer como as que devem vigorar e crescer, vacilam ainda na fraqueza infantil, a Portugal, que ignora a estatística das suas forças económicas, onde os métodos agrícolas estão atrasados, onde a propriedade territorial tem condições de existência peculiares; onde, enfim, se dão mil circunstâncias excepcionais; aplicai-lhe sem discernimento esses princípios absolutos, e tereis obtido um resultado imenso mas terrível, a dissolução da sociedade.
É por isso que o Portuguez nem sempre se há-de extasiar diante de certas providências que se tenham adoptado ou hajam de adoptar em relação a diversas questões da fazenda púb1ica». In António José Saraiva, Herculano Desconhecido. 1851-1853, Edições SEN, Porto, 1953.

continua
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