segunda-feira, 25 de março de 2013

Dona Teresa. A Primeira Rainha de Portugal. Prefácio de G. Oliveira Martins. Marsilio Cassotti. «Sobretudo depois do episódio de S. Mamede (1128), a figura da mãe do fundador está envolta, no imaginário colectivo, por uma carga negativa que deve ser analisada com serenidade e distância»

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Prefácio
«A memória da mãe de Afonso Henriques, D. Teresa, tem sido tratada, ao longo dos tempos, por parte de sucessivas gerações, com sentimentos de desconfiança e de reserva. Tal deve-se ao facto de ser muito insuficiente o conhecimento histórico que existe generalizadamente sobre o papel efectivo de D. Teresa no seu tempo, o que tem aberto caminho à lenda e à simplificação. Uma melhor compreensão da personagem pelo progresso da historiografia contemporânea tem permitido ultrapassar o, traços caricaturais e até injustos que ainda persistem, um a vez que a partir de documentação coeva e de uma análise crítica do que se conhece é possível encontrar uma outra visão sobre a figura da filha de Afonso VI e mulher do conde de Portucale, Henrique de Borgonha. A recente biografia de Afonso Henriques, da autoria de José Mattoso (2006) constituiu, aliás, na sequência de aprofundada investigação sobre a época, um passo muito importante para o melhor esclarecimento sobre um período pouco conhecido e sempre envolto em mitos e espessa névoa, perturbadores de uma análise serena das circunstâncias.
Sabemos como e difícil, no entanto, contrariar ideias feitas e consolidadas ancestralmente e basta lembrarmo-nos do episódio recente da discussão a propósito do lugar de nascimento de Afonso Henriques. Ele revela, por um lado, a mitificação existente em torno da figura do rei fundador e, por outro, a resistência à historiografia crítica, tantas vezes confundida com ameaça à tradição ou com a colocação em causa da honra de uma comunidade local. Contudo, nem a mitificação nem a honra podem estar em causa quando se investiga, com seriedade científica, tudo o que diz respeito a um acontecimento ou a uma personagem histórica. Também nos lembramos da enorme celeuma causada quando, a partir de uma investigação rigorosa, Alexandre Herculano pôs em causa os mitos que envolviam o chamado milagre de Ourique.
No caso de D. Teresa, também estamos perante fenómenos conexos com aqueles que referimos, como a mitificação de acontecimentos e as questões de orgulho identitário. Sobretudo depois do episódio de S. Mamede (1128), a figura da mãe do fundador está envolta, no imaginário colectivo, por uma carga negativa que deve ser analisada com serenidade e distância, pois só desse modo poderemos compreender melhor a evolução histórica que correspondeu à independência de Portugal e ao reconhecimento papal da nova nação. Para perceber melhor esse momento inicial, não é possível, porém, deixar de reconhecer o importante papel de D. Teresa, ao lado do conde Henrique e, depois da sua morte, na estabilização militar e administrativa dos condados de Portucale e de Coimbra. Henrique foi um chefe político e militar que se impôs num meio muito complexo, pleno de dificuldades, onde era necessário atender a várias ambições e diversos jogos de poder sentidos especialmente no reino de Leão e na Galiza. No entanto, não se deixou perturbar quanto ao objectivo de avançar com a conquista para Sul, fixando uma primeira meta na consolidação da linha do Tejo e procurando estabilizar uma presença civil e militar eficiente, em especial relativamente às populações moçárabes dos concelhos meridionais. Henrique de Borgonha foi, assim, um caudilho de cavaleiros, monges e clérigos de origem francesa, que pôde aproveitar com grande inteligência, os equilíbrios existentes, não só partindo da fragilidade circunstancial dos reinos taifas, mas também limitando o poder dos nobres e do alto clero, através de uma aliança com os municípios e com as novas ordens religiosas militares, cuidando da normalização económica e social, que permitisse um povoamento adequado à missão da reconquista cristã». In Marsilio Cassotti, D. Teresa, A Primeira Rainha de Portugal, Prefácio de G. Oliveira Martins, Attilio Locatelli, A Esfera dos Livros, 2008, ISBN 978-989-626-119-1.

Cortesia da Esfera dos Livros/JDACT