«Faltavam, somente, para que a situação se consolidasse, uns ‘pequenos pormenores’,
que ele não tardaria a arrumar. Por sua ordem, cruel sem dúvida, mas amplamente
justificada pela necessidade de ser liquidada a questão do trono de maneira duradoira,
o pequeno príncipe de Gares, filho de Henrique VI e de Margarida de Anjou, é
arrebatado dos braços da angustiada mãe e massacrado na prisão nesse decorrente
ano de 1471. Henrique VI, o inofensivo rei, que parece ter vindo ao mundo
apenas para ser joguete inconsciente de dramático destino, manejado ao sabor
das ambições da época e das individualidades que o rodeavam, esse doentio
monarca que, não poucas vezes, sofreu o enxovalho do aprisionamento, deixou,
também, de viver, alguns dias depois.
Tudo leva a crer que a sua morte, obscura e não determinada nas causas,
haja sido consequência de um crime, pois não é crível que o seu voluntarioso e
inescrupuloso rival no trono inglês tenha deixado o pai com vida, quando não
hesitou em sacrificar, barbaramente, a inflexíveis razões de Estado, o inocente
filho daquele. Dos três membros, de tão atribulada existência, da família de
Henrique VI, unicamente a pundonorosa rainha Margarida de Anjou logrou morrer de
morte natural. Encerrada, igualmente, na tenebrosa prisão política de Londres,
ali se conservou durante quatro longos e martirizantes anos, vivendo as agruras
do terrível cativeiro junto à angústia maior do seu flagelado coração de mãe, a
chorar a funda saudade do filhinho massacrado.
A admirável mulher, exemplo nobilíssimo de mãe e de esposa, tão
causticada pelas provações, esse vulto feminino de tão bela grandeza que almejava
a morte como uma libertação para a alma amarfanhada de sofrimento, foi, afinal,
por cruel partida do destino, a que viveu mais tempo. Graças à mediação de Luís
XI, ela pôde recobrar a liberdade em 1475,
indo acabar os seus dias em França, em 1482,
onze anos após o selvático assassínio do príncipe de Gales, seu filho.
Sobreviveu ao implacável inimigo. A união das duas casas rivais inglesas, a de Lancastre
e a de York, só viria a ser celebrada, terminando de vez com as dissidências
rancorosas entre ambas, no reinado de Henrique VII, o Tudor, descendente dos
Lancastres. Com efeito, este monarca, depois de derrotar e matar, por suas
próprias mãos, o odioso Ricardo III, em 1485, contraiu núpcias com Isabel de
York, filha de Eduardo IV. A união dos direitos das duas casas punha fim à extenuante
Guerra das Duas Rosas». In Américo Faria, Dez Monarcas Infelizes, Livraria
Clássica Editora, colecção 10, Lisboa, s/d.
Cortesia de L. Clássica
Editora/JDACT