Amor
A jovem deusa passa
com véus discretos sobre a virgindade;
olha e não olha, como a mocidade;
e um jovem deus pressente aquela graça.
Depois, a vide do desejo enlaça
numa só volta a dupla divindade;
e os jovens deuses abrem-se à verdade,
sedentos de beber na mesma taça.
É um vinho amargo que lhes cresta a boca;
um condão vago que os desperta e toca
de humana e dolorosa consciência.
E abraçam-se de novo, já sem asas.
Homens apenas. Vivos como brasas,
a queimar o que resta da inocência.
Miguel Torga, in 'Libertação'
com véus discretos sobre a virgindade;
olha e não olha, como a mocidade;
e um jovem deus pressente aquela graça.
Depois, a vide do desejo enlaça
numa só volta a dupla divindade;
e os jovens deuses abrem-se à verdade,
sedentos de beber na mesma taça.
É um vinho amargo que lhes cresta a boca;
um condão vago que os desperta e toca
de humana e dolorosa consciência.
E abraçam-se de novo, já sem asas.
Homens apenas. Vivos como brasas,
a queimar o que resta da inocência.
Miguel Torga, in 'Libertação'
Aos Poetas
Somos nós
as humanas cigarras.
Nós,
desde o tempo de Esopo conhecidos...
Nós,
preguiçosos insectos perseguidos.
Somos nós os ridículos comparsas
da fábula burguesa da formiga.
Nós, a tribo faminta de ciganos
que se abriga
ao luar.
Nós, que nunca passamos,
a passar...
Somos nós, e só nós podemos ter
asas sonoras.
Asas que em certas horas
palpitam.
Asas que morrem, mas que ressuscitam
da sepultura.
E que da planura
da seara
erguem a um campo de maior altura
a mão que só altura semeara.
Por isso a vós, Poetas, eu levanto
a taça fraternal deste meu canto,
e bebo em vossa honra o doce vinho
da amizade e da paz.
Vinho que não é meu,
mas sim do mosto que a beleza traz.
E vos digo e conjuro que canteis.
Que sejais menestréis
duma gesta de amor universal.
Duma epopeia que não tenha reis,
mas homens de tamanho natural.
Homens de toda a terra sem fronteiras.
De todos os feitios e maneiras,
da cor que o sol lhes deu à flor da pele.
Crias de Adão e Eva verdadeiras.
Homens da torre de Babel.
Homens do dia-a-dia
que levantem paredes de ilusão.
Homens de pés no chão,
que se calcem de sonho e de poesia
pela graça infantil da vossa mão.
Miguel Torga, in 'Odes'
as humanas cigarras.
Nós,
desde o tempo de Esopo conhecidos...
Nós,
preguiçosos insectos perseguidos.
Somos nós os ridículos comparsas
da fábula burguesa da formiga.
Nós, a tribo faminta de ciganos
que se abriga
ao luar.
Nós, que nunca passamos,
a passar...
Somos nós, e só nós podemos ter
asas sonoras.
Asas que em certas horas
palpitam.
Asas que morrem, mas que ressuscitam
da sepultura.
E que da planura
da seara
erguem a um campo de maior altura
a mão que só altura semeara.
Por isso a vós, Poetas, eu levanto
a taça fraternal deste meu canto,
e bebo em vossa honra o doce vinho
da amizade e da paz.
Vinho que não é meu,
mas sim do mosto que a beleza traz.
E vos digo e conjuro que canteis.
Que sejais menestréis
duma gesta de amor universal.
Duma epopeia que não tenha reis,
mas homens de tamanho natural.
Homens de toda a terra sem fronteiras.
De todos os feitios e maneiras,
da cor que o sol lhes deu à flor da pele.
Crias de Adão e Eva verdadeiras.
Homens da torre de Babel.
Homens do dia-a-dia
que levantem paredes de ilusão.
Homens de pés no chão,
que se calcem de sonho e de poesia
pela graça infantil da vossa mão.
Miguel Torga, in 'Odes'
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