quarta-feira, 13 de março de 2013

Através do Continente Negro. Henry Morton Stanley. Tradução de Mac-Noden. «Rasgar ao mundo as trevas, em que ainda hoje se envolve aquelle continente, abrir mil veredas por onde podesse caminhar avante a roda do progresso; lançar a luz brilhante da sciencia nos cerebros obscuros dos seus habitantes»


H.M. Stanley, 1874
jdact

NOTA: De acordo com o original

Nota do Traductor
«Ha tres seculos que Portugal caminhava ainda na vanguarda de todas as nações, em tudo quanto dependia da sciencia e da coragem. As nossas esquadras sulcavam os mares desconhecidos guiadas pelos seus corajosos capitães a quem sobejava a pericia e o arrojo. Novas terras, novos dominios, onde podia alargar-se á vontade a gigantesca e nobre aspiração do povo, surgiam como por encanto do salso elemento deante das prôas das nossas caravellas. As outras nações tomavam-nos como mestres seguindo-nos como exemplo, e não poucos dos seus mais esforçados capitães serviram nas nossas armadas e n'ellas colheram os seus vastissimos conhecimentos e aprenderam a mostrar no perigo a desusada coragem lusitana.
Os mais afastados confins do mundo viram de perto as laminas sem macula das espadas portuguezas e a bandeira das quinas hasteada em qualquer ponto era olhada como padrão de gloria desejada e acatada como arvore protectora. Portugal respeitava-se fazendo respeitar-se. Os vastos sertões africanos, onde tudo parece conspirar contra os europeus que intentam resolver os seus numerosos e difficeis problemas, foram tambem testemunha da ousadia, saber e coragem da lusitana gente. E o triste fim de muitos exploradores, longe de atemorisar os animos, promovia o alistamento de novos e numerosos combatentes para aquella crusada de paz e de sciencia, d'amor e humanidade.
Rasgar ao mundo as trevas, em que ainda hoje se envolve aquelle continente, abrir mil veredas por onde podesse caminhar avante a roda do progresso; lançar a luz brilhante da sciencia nos cerebros obscuros dos seus habitantes; prégar-Ìhe os sãos principios da sociabilidade e do trabalho, da moral e da religião, eis o fim gigantesco d'essas novas crusadas. E os missionarios portuguezes desempenhavam brilhantemente o seu grandioso mister! Allucinados muitas vezes pela febre, mordidos pela fome e pela sêde, luctando com o clima, com as feras e com os habitantes, mais ferozes ainda, a sua palavra inspirada retumbou sempre em muitos pontos d'aquelle paiz mortifero!
E como na linha de batalha cada soldado que cae é substituido por outro, assim tambem por cada apostolo que caía, por cada combatente que deixava de poder manejar a sua unica arma, a palavra, muitos se apresentavam para occupar na fileira o logar deixado pelo primeiro, corajosos e convictos, orando com a eloquencia, que dá a verdade inspirada. Esta crusada d'amor, de paz, quanto mais sympathica não é que a anterior, que tinha por fim o exterminio dos infieis, não convertendo-os ao christianismo, não illuminando-lhes o cerebro, mas rasgando-lhes as carnes, arrancando-lhes a vida; como se a religião de Christo, religião de paz e caridade podesse aconselhar um tal meio, abençoar um tal fim; como se ella podesse empregar outra arma a não ser a que falla ao espirito e purifica as consciencias. Portugal olhando o seu passado de grandeza verá no primeiro plano estes nobres vultos, os missionarios, destacarem-se envoltos n'um manto de gloria e de martyrio; deve a elles um grande numero dos seus factos gloriosos.
Os trabalhos geographicos dos missionarios na Africa representam para nós um protesto energico e constante contra os que dizem, que a Portugal não pertence o minimo quinhão na civilisação e exploração da Africa. Podem elles apontar-nos como ociosos e atrazados; podem mesmo alcunhar-nos de ignorantes e degenerados, mas o que nunca poderão fazer é rasgar da historia dos povos, as paginas da nossa passada grandeza. Essas são immorredouras e indeleveis porque foram escriptas com o sangue generoso dos nossos avós, e o nosso nome eccoará soberbo e brilhante em todas as aridas plagas africanas. .Mas para mim esse passado de grandeza representa uma coisa diversa do que geralmente se diz». In Henry Morton Stanley, Atravez do Continente Negro (ou as nascentes do Nilo, Circumnavegação dos grandes lagos da Africa Equatorial e descida do rio Livingstone ou Congo até ao oceano Atlantico), tradução do inglês por Mac-Noden, Lisboa, Mendonça & Irwin, Empresa Editora, Lallemant Frères, Typ. Lisboa (fornecedores da Casa de Bragança), 1880.

Cortesia de Mendonça & Irwin/JDACT