NOTA: De acordo com o original
Nota do Traductor
«Ha tres seculos que Portugal caminhava ainda na vanguarda
de todas as nações, em tudo quanto dependia da sciencia e da coragem. As nossas
esquadras sulcavam os mares desconhecidos guiadas pelos seus corajosos capitães
a quem sobejava a pericia e o arrojo. Novas terras, novos dominios, onde podia
alargar-se á vontade a gigantesca e nobre aspiração do povo, surgiam como por
encanto do salso elemento deante das prôas das nossas caravellas. As outras
nações tomavam-nos como mestres seguindo-nos como exemplo, e não poucos dos
seus mais esforçados capitães serviram nas nossas armadas e n'ellas colheram os
seus vastissimos conhecimentos e aprenderam a mostrar no perigo a desusada coragem
lusitana.
Os mais afastados confins do mundo viram de perto
as laminas sem macula das espadas portuguezas e a bandeira das quinas hasteada
em qualquer ponto era olhada como padrão de gloria desejada e acatada como arvore
protectora. Portugal respeitava-se fazendo respeitar-se. Os vastos sertões
africanos, onde tudo parece conspirar contra os europeus que intentam resolver
os seus numerosos e difficeis problemas, foram tambem testemunha da ousadia,
saber e coragem da lusitana gente. E o triste fim de muitos exploradores, longe
de atemorisar os animos, promovia o alistamento de novos e numerosos
combatentes para aquella crusada de paz e de sciencia, d'amor e humanidade.
Rasgar ao mundo as trevas, em que ainda hoje se envolve
aquelle continente, abrir mil veredas por onde podesse caminhar avante a roda
do progresso; lançar a luz brilhante da sciencia nos cerebros obscuros dos seus
habitantes; prégar-Ìhe os sãos principios da sociabilidade e do trabalho, da
moral e da religião, eis o fim gigantesco d'essas novas crusadas. E os
missionarios portuguezes desempenhavam brilhantemente o seu grandioso mister! Allucinados
muitas vezes pela febre, mordidos pela fome e pela sêde, luctando com o clima,
com as feras e com os habitantes, mais ferozes ainda, a sua palavra inspirada
retumbou sempre em muitos pontos d'aquelle paiz mortifero!
E como na linha de batalha cada soldado que cae é substituido
por outro, assim tambem por cada apostolo que caía, por cada combatente que
deixava de poder manejar a sua unica arma, a
palavra, muitos se apresentavam para occupar na fileira o logar deixado
pelo primeiro, corajosos e convictos, orando com a eloquencia, que dá a verdade
inspirada. Esta crusada d'amor, de paz, quanto mais sympathica não é que a
anterior, que tinha por fim o exterminio dos infieis, não convertendo-os ao
christianismo, não illuminando-lhes o cerebro, mas rasgando-lhes as carnes, arrancando-lhes
a vida; como se a religião de Christo, religião de paz e caridade podesse
aconselhar um tal meio, abençoar um tal fim; como se ella podesse empregar
outra arma a não ser a que falla ao espirito e purifica as consciencias. Portugal
olhando o seu passado de grandeza verá no primeiro plano estes nobres vultos, os missionarios, destacarem-se
envoltos n'um manto de gloria e de martyrio; deve a elles um grande numero dos
seus factos gloriosos.
Os trabalhos geographicos dos missionarios na
Africa representam para nós um protesto energico e constante contra os que
dizem, que a Portugal não pertence o minimo quinhão na civilisação e
exploração da Africa. Podem elles apontar-nos como ociosos e atrazados; podem
mesmo alcunhar-nos de ignorantes e degenerados, mas o que nunca poderão fazer é
rasgar da historia dos povos, as paginas da nossa passada grandeza. Essas são
immorredouras e indeleveis porque foram escriptas com o sangue generoso dos
nossos avós, e o nosso nome eccoará soberbo e brilhante em todas as aridas
plagas africanas. .Mas para mim esse passado de grandeza representa uma coisa
diversa do que geralmente se diz». In Henry Morton Stanley, Atravez do
Continente Negro (ou as nascentes do Nilo, Circumnavegação dos grandes lagos da
Africa Equatorial e descida do rio Livingstone ou Congo até ao oceano
Atlantico), tradução do inglês por Mac-Noden, Lisboa, Mendonça & Irwin,
Empresa Editora, Lallemant Frères, Typ. Lisboa (fornecedores da Casa de
Bragança), 1880.
Cortesia de Mendonça & Irwin/JDACT