(continuação)
O Tempo e o Movimento
«O caso de 1910 é exemplar. O povo não mudou, continuou mono-árquico, à
espera do Desejado. A minoria intelectual e militar que em Lisboa pôs termo à
monarquia hereditária mostrou-se incapaz de achar melhor do que uma monarquia
electiva, em que a força do partido substituiu a força da família, base do sistema
monárquico. A República nasceu velha e ancilosada. Sampaio Bruno afastar-se-ia
pouco depois, clamando que essa não fora a República sonhada. Basílio Telles
remeteu-se a um laicismo ascético e reformador, desiludido de quanto sonhara. José
Teixeira Rego não escondia que, abortado o golpe de 31 de Janeiro de 1891, data em que o Positivismo ainda não dominava inteiramente
o meio intelectual, a proclamação republicana de 1910 surgia como um capricho fora de tempo. A ideia que movia a
consciência portuguesa não era a questão do regime; era a questão da cidade humana,
com regeneração da Família e da Pátria.
O processo requeria, mais do que
uma estratégia política, uma educação filosófica, e uma prática religiosa. O
primeiro decénio do século, XX é prolixo em ideologia. Engastando somente as
pedras ideológicas substantes, a, sociedade portuguesa vê o Positivismo implantar-se nas
mentes, sem que ache adequada física social para a tradição portuguesa. Teófilo
Braga compensa o excessivo compromisso positivista na ordem metodológica e
política com a arqueologia do património, popular, literário, legendarístico,
artístico e sacral, mas sem descobrir, no acervo coligido, a linha de vida que
aperfeiçoasse, ou substituísse, o abstraccionismo positivista. A mais importante
instituição portuguesa, a Igreja, sobrevive sem dote material, com uma
hierarquia onde só então começam a aparecer os pastores de intervenção social, Manuel
Vieira de Matos, António Mendes Belo... e com dois problemas filosóficos:
um Modernismo teológico que ascende, e quer a revisão dogmática, e um
Neo-Tomismo que, em vez de filosofar, se limita a divulgar as ideias de
santo Tomás e dos tomistas posteriores. Enquanto em França se afirma um
Neo-Tomismo pensante, em Portugal, o Neo-Tomismo é sobretudo divulgante e historicista.
A Igreja encara, dentro e fora, um laicismo acentuado, com recusa do ministério
sacerdotal, recusa essa expressa no anticlericalismo que é, na verdade, um
anticristismo, porque o sacerdote é teologicamente alter Christus.
Enfim, como ambiente social geral, sem força mas com simpatia, persiste
a vaga romântica do amor da pequena pátria, das liberdades individuais, do respeito
pelos bens próprios, na esperança de uma harmonia entre a dor que nos cumpre, e
a alegria que ansiamos». In Pinharanda Gomes, A Teologia de Leonardo
Coimbra, Guimarães Editores, Colecção Filosofia e Ensaios, Lisboa, 1985.
Cortesia de Guimarães Edt./JDACT