domingo, 31 de março de 2013

A Primeira Rainha de Portugal. Dona Teresa. Prefácio de G. Oliveira Martins. Marsilio Cassotti. «… o facto de se tratar de uma mulher que, segundo os autores clérigos, não deveria exercer autoridade pública e por ela se ter oposto ao bispo Diego Gelmírez, figura que a História visava enaltecer»

Estátua de Vimara Peres
O ramo portucalense do qual descendia D. Teresa encontrava-se registado nos cartulários dos mosteiros com árvores genealógicas que às vezes chegavam à oitava geração. Era a melhor forma de evitar controvérsias na altura de realizar a divisão de bens ou colmelum. Graças a esses pergaminhos, ela sabia que descendia directamente de Vimara Peres, repovoador do Porto por volta de 868 e fundador da cidade de Guimarães.
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«Houve, porém, uma continuidade na actuação do conde Henrique e de seu filho Afonso, o primeiro rei português, que importa salientar, quer nos sentidos militar e estratégico, quer relativamente à política e à administração. E qual o papel de D. Teresa na orientação e condução dos negócios públicos do condado e futuro reino? Uma análise serena e crítica dos documentos e dos factos históricos que chegaram até nós permite a recusa das simplificações, percebendo-se que houve por parte de D. Teresa uma preocupação e uma atitude de independência e de autonomia, perante a sua irmã D. Urraca e as ambições de Santiago de Compostela, que ou se tornou equívoca em determinado momento ou assumiu o risco, considerado perigoso pelos barões de Entre Douro e Minho, de se deixar envolver nas querelas galegas, que poderiam conduzir à impossibilidade de cortar o cordão umbilical relativamente à monarquia de Leão e Castela.
Como tem salientado José Mattoso, não podemos esquecer que os elementos chegados até nós sobre D. Teresa, através da História Compostelana, são influenciados negativamente por um duplo preconceito:
  • o facto de se tratar de uma mulher que, segundo os autores clérigos, não deveria exercer autoridade pública e por ela se ter oposto ao bispo Diego Gelmírez, figura que a História visava enaltecer.
Segundo o referido José Mattoso:
  • tentando encontrar o sentido das intervenções políticas que lhe conhecemos, não podemos deixar de ver nela uma personalidade ambiciosa, fortemente convencida do seu direito a herdar um dos Estados governados por seu pai, ou seja, pelo menos, a Galiza.
Nesse sentido, D. Teresa não teria reconhecido sua irmã D. Urraca como herdeira de Afonso VI, não se sabendo se não teria sido por isso que aceitou a intervenção arriscada dos condes de Trava ou se ela própria não teria envolvido os nobres galegos na realização do seu desiderato. O certo é que D. Teresa se considerava de uma estirpe superior, era Rainha ou Regina, por ser filha de rei (como declara desde Maio de 1117), não se acomodando ou resignando a uma posição subalterna na sucessão paterna. Não podemos, assim, deixar de considerar na génese do temperamento de Afonso Henriques a convergência entre a sabedoria estratégica do pai e a inequívoca ambição de sua mãe, num contexto de conflitualidade e de agitação, políticas, religiosas e sociais.
E se é verdade que os historiadores referem invariavelmente o facto de a infância do futuro rei ter sido afastada do contacto dos pais, não é menos certo que houve uma profunda influência do meio dos membros da corte e dos companheiros, que assumiam, de alma e coração, o espírito autonomista do condado, empenhados, a um tempo, na realização de um projecto independente, que conduziu à construção do Estado, e no reforço da luta de reconquista contra o Islão, com afirmação dos ideais nobiliárquicos assumidos segundo o espírito da época». In Marsilio Cassotti, D. Teresa, A Primeira Rainha de Portugal, Prefácio de G. Oliveira Martins, Attilio Locatelli, A Esfera dos Livros, 2008, ISBN 978-989-626-119-1.

Cortesia da Esfera dos Livros/JDACT