Meu presado Silva Pinto.
«Não se fie na minha fecundidade
apregoada pelos jornais. Há dias, davam-me a escrever cinco volumes; e há mais de
quinze dias, que eu estou impossibilitado de erguer sem dificuldade a cabeça do
travesseiro. Tenho a, não sei se triste se alegre, convicção de que vou em fim descansar
brevemente. Este prefácio melancólico leva em vista responder com a maior sinceridade
à sua pergunta. Não posso. Eu digo-o com mais justiça que os papas. Comecei um livro
intitulado Raças Finas. Não é romance propriamente dito. É uma enfiada de coisas
portuguesas, infâmias dos grandes, romantizadas. O titulo, como vê, é uma ironia,
o pontapé tardio atirado à heráldica corrente dos cronistas que faziam fidalgos
de apelidos como hoje a coroa os faz de negreiros. Este livro, se eu o concluir,
não tem ainda editor prefixo; mas quer-me parecer que não é isto o que convém aos
folhetins da Voz do Povo. No entanto…
Tenho gostado muito do seu
modo de desmantelar o pseudorealismo do estilo à Eça. Parece-me que você continua
a pacífica destruição que eu comecei, e dou-lhe a minha palavra de honra que
desmantela pelo ridículo a escola. Aceite os protestos de estima do seu admirador
afectivo». Camillo Castello Branco, 29-11-79.
Meu amigo
«Bom sinal, se pode safar-se. Dava-me cuidado e pena essa porcaria estúpida
da febre. O meu amigo não é extremamente feliz até à inveja dos infelizes. Pesa-lhe
a tristeza irremediável da vida, as péssimas condições em que está feito o mundo
para quase toda a gente. Veja ao menos se arranja saúde em Lisboa. Eu, mal de tudo
e principalmente dos olhos. Vejo só com um, para não ver tudo duplicado. Absurdos
da óptica. Chama-se a isto uma coisa grega». Camillo Castello Branco, 20-1-80.
Meu caro amigo
Entra a rameira sifilitica (rima predestinada de Política) a contamina-lo. Já, já,
sem perda de tempo, uma vilegiatura até ao Algarve. Prefira o Assis a Machiavel.
E em vez de purgar a sua raiva por meio de artigos, vingue-se mediante os
depurantes. A derrota dos progressistas é monumental e singular nas lutas constitucionais
deste meio século de liberalismo. Só um Cristo faria ressurgir o Lazaro, a menos
que o Lázaro se não converta à república e possa arrostar uma batalha nas ruas.
Do parlamento não tem nada que esperar. E, postas assim as coisas, puf! Trato de calafetar com duas pitadas
as gretas por onde a inspiração profética me está soprando os destinos da Lusitânia.
Amanhã, quinta-feira, vou para o Bom Jesus, com Anna Plácido e com o pobre Jorge.
Se o tédio me der tréguas, demoro-me alguns dias. Receba os nossos afectos
agradecidos. Do seu amigo». Camillo Castello Branco, 22-1-80.
In Cartas de Camilo Castello Branco, Prefácio de Silva Pinto, Typographia
Mattos Moreira & Pinheiro, Livraria Editora de Tavares Cardoso & Irmão,
Editores Cardoso & Irmão, Lisboa, 1895.
Cortesia de E. Cardoso e Irmão/JDACT