(Continuação)
Écloga de Jano e Franco
Joana, como assentou
a capela, foi com a mão
à cabeça, e atentou
se estava em boa feição.
Não ficando satisfeita
do que da mão presumia,
partiu-se dali direita
para onde o rio fazia
de água uma mansa colheita.
Chegando à beira do rio,
as patas logo vieram
todas uma e uma, em fio,
que toda a água moveram.
De quanto ela já folgou
com aquestes agasalhos,
tanto entonces lhe pesou,
e com pedras e com brados
dali longe as enxotou.
Depois que elas foram idas
e que a água assossegou,
Joana, as abas erguidas,
entrar pela água ordenou:
e assentando-se, então,
as sapatas descalçou,
e, pondo-as sobre o chão,
por dentro da água entrou
e a Jano pelo coração.
Enquanto, com passos quedos,
Joana pela água ia,
entre uns desejos e medos,
Jano, onde estava, ardia;
não sabia se falasse,
se saísse, se estivesse,
que o amor mandava que ousasse,
e, por que a não perdesse,
fazia que arreceasse.
Dizem que, naqueste meio,
se esteve Joana olhando;
e, descobrindo o seu seio,
olhou-se, e disse, um ai dando:
‘Eu guardo patas, coitada,
não sei onde isto há-de ir ter,
mais era eu para guardada.
Que concerto foi este: ser
fermosa e mal empregada!’
Em aquisto Jano ouvindo,
não se pôde em si sofrer,
que, de entre as ervas saindo,
se não lançasse a correr.
Joana, quando sentiu
os estrompidos de Jano,
e que se virou e o viu,
temor do presente dano
lhe deu pés com que fugiu.
[...]
Fragmento do Poema de Bernardim Ribeiro
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