Nota Prévia
«Há já, algum tempo que vimos trabalhando o campo difícil mas estimulante
da História Militar do período da chamada Reconquista.
Muitas são as obras, de valor desigual, que tratam as guerras que, na Península
Ibérica, opuseram a Cristandade e o Islão. Mas tem-se descurado, muitas vezes,
se não sistematicamente, a abordagem militar, nas suas várias
vertentes de estratégia, tácticas, sistemas de defesa estática ou dinâmica,
combatentes e armamento, para só referir os aspectos mais importantes.
Recentemente, o livro de Francisco García Fitz veio colmatar boa parte desta
lacuna. É um excelente estudo de história militar, focando todos os principais
problemas que se colocam ao historiador, mas limita-se, infelizmente, a Castela
e Leão, e ao período de dois séculos. Parte praticamente do reinado de Afonso
VI, e a presença muçulmana resume-se ao confronto com os cristãos peninsulares,
pouco se dizendo acerca da sua organização interna. O que pretendemos com o
nosso trabalho não é, de forma alguma, fazer para o território português o mesmo
que Francisco García fez para os reinos castelhano e leonês.
O nosso propósito é mais modesto. Tentámos perceber a realidade portuguesa,
nas suas diferentes variáveis, mas sem esquecer dois pontos que consideramos
importantes:
- primeiramente, que o território que vai constituir o futuro reino de Portugal foi ocupado, até ao século XIII, em vários dos seus segmentos, cada vez mais pequenos, é certo, pela formação islâmica, que é necessário compreender nas suas linhas gerais, e também na especificidade dos caudilhos que ocuparam este espaço;
- em segundo lugar, que a história militar portuguesa medieval da formação cristã não se inicia com a tomada de poder por Afonso Henriques, em 1128, após a batalha de S. Mamede, ou mesmo com a constituição do Condado Portucalense, mas tem o seu começo antes disso, pelo menos em 868, com ocupação da chamada linha do Douro. É o primeiro momento de ligação de uma parte do território que vai depois ser Portugal aos sistemas astur-leoneses de fazer a guerra, e às especificidades das comunidades de fronteira desta região periférica à Meseta.
O estudo da História Militar
medieval portuguesa, sobretudo no que respeita ao período chamado da Reconquista, tem que obedecer a
vários passos, lentos e graduais. É necessário, em primeiro lugar,
definir claramente os objectivos deste estudo, e o fim que esperamos atingir.
Só assim poderemos tentar desenvolver uma metodologia, e modificá-la sempre que
os resultados não forem os esperados. Desta forma poderemos, igualmente,
colocar as questões certas aos documentos sobre os quais vamos trabalhar. Consideramos
que a História Militar é, pela sua natureza, a história completa,
de um determinado período do passado. Explicando melhor:
- Quando trabalhamos a História Militar estamos, é certo, a estudar a composição de um exército, (usamos o termo exército, no seu sentido mais lato. Seja no de um corpo estruturado e organizado, de tipo profissional ou de conscrição geral, seja no de um grupo temporariamente levantado para uma determinada missão, de defesa ou de agressão) a sua organização, as cadeias de comando, o seu armamento, o uso desse mesmo armamento nas diferentes missões executadas pelos militares.
Preocupamo-nos, igualmente, com o sistema de logística, tanto no
abastecimento de víveres quanto na substituição do material bélico. E temos
ainda de nos preocupar com os sistemas de defesa, permanentes ou temporários,
móveis ou estáticos. Temos que estudar a defesa das costas e dos rios, nas suas
componentes de fortificações de margem ou sistemas de marinha. É de capital
importância o sistema viário: tanto a utilização da rede viária romana quanto a
construção de novas estradas e pontes, e a sua articulação com os sistemas de
defesa fixa. Temos que conhecer a forma como um determinado grupo ocupa e
segura um território, tornando viável a sua ocupação por novos colonos, a única
forma de estabelecimento durável. E ainda, qual o apoio dispensado pela
população ocupada, e a existência de quintas colunas favoráveis ou hostis
ao agressor ou ao agredido.
Quais as tácticas usadas no campo de batalha?
Quais as variações, tendo em conta a proporção das forças em presença e a
conformação do terreno? Como se comportam, ou como são utilizadas as
diferentes armas que compõem os exércitos? Qual a preparação estratégica
e táctica dos generais? Como se desenvolvia a guerra de cerco?» In Pedro
G. Barbosa, Reconquista Cristã, nas Origens de Portugal, Séculos IX a XII,
Ésquilo, Lisboa, 2008, ISBN 978-989-8092-26-7.
continua
Cortesia de Ésquilo/JDACT