segunda-feira, 11 de março de 2013

Os Cristãos-Novos de Elvas no reinado de D. João IV. Heróis ou Anti-Heróis? Maria do Carmo T. Pinto. «… levados a concluir que a política seguida por Filipe II no sentido de consolidar o poder do Tribunal não se afastou daquela que o cardeal Henrique havia defendido…»


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A Governação dos Áustrias em Portugal
Filipe II e o Tribunal do Santo Ofício (maldito): Um momento de “graça” entre ambos os poderes
«Nesse sentido, em 1570 foi aprovado o regimento da Inquisição (maldita), assistiu-se à nomeação do secretário do Conselho Geral como escrivão da câmara régia no que diz respeito aos assuntos inquisitoriais, dando, assim, um enorme passo no sentido de uma “fusão institucional”, e, em 1573, o jovem monarca confirmou a decisão anteriormente tomada pelo Inquisidor-geral, enquanto regente, de proibição de saída do reino dos cristãos-novos. O monarca Sebastião considerava o Tribunal do Santo Ofício (maldito) tão útil que, em finais de 1572, chegou mesmo a sugerir a Carlos IX que introduzisse, em França, a Inquisição (maldita).
É precisamente dentro de uma perspectiva de consolidação do poder inquisitorial que, já no reinado de Filipe II, pode ser interpretado o aumento para o dobro, em 1583, do valor da mercê, no montante de 3.000 cruzados a retirar dos bens da coroa, que o cardeal tinha conseguido para o Santo Ofício (maldito); a subida, nesse mesmo ano, dos ordenados dos funcionários do Tribunal, principalmente nos escalões mais elevados; a obtenção de novos breves papais de reforço financeiro do Santo Ofício (maldito) ou ainda, em 31 de Dezembro de 1584, a confirmação por Filipe II de todos os privilégios que haviam sido concedidos à Inquisição (maldita) pelo rei Sebastião e reforçados, posteriormente, pelo cardeal-rei Henrique:
  • (...) que davam ao Santo Officio uma tão excepcional situação que bem parecia um verdadeiro estado no estado.
Assim para a consolidação do seu poder a instituição inquisitorial contou, sem dúvida, com o apoio do poder régio, embora exercido à época por um monarca estrangeiro. Mas, durante o reinado de Filipe II, um outro aspecto que pode ter contribuído para o fortalecimento da instituição inquisitorial foi a profunda ligação que se estabeleceu entre poder régio e inquisitorial. Em Portugal, não raras vezes, os cargos de inquisidores-gerais, elementos que se revelaram fundamentais na consolidação do poder do Tribunal, foram confiados a elementos provenientes das principais casas nobres ou da própria família real que, paralelamente, desempenhavam, por vezes, cargos e funções políticas.

Nota: O rei Sebastião, em Maio de 1561, determinou que os inquisidores de Évora, ou seus criados, tivessem primazia na compra de alimentos; no ano seguinte concedeu aos oficiais do Tribunal, mas também aos seus familiares, isenções de ordem vária: do pagamento de finta ou quaisquer outras contribuições concelhias, de aposentadoria, de serviço militar, etc. Em Janeiro de 1580, o cardeal-rei Henrique não apenas confirmou estes privilégios como isentou, também, do pagamento de sisa ou cabeção, os referidos oficiais e familiares.

Assim, entre 1539, data em que o infante Henrique, arcebispo de Évora, tomou conta do cargo de Inquisidor-geral, e 1593, altura em que o cardeal-arquiduque Alberto, que havia assumido em 1585 a condução dos assuntos do Tribunal, cargo que acumulou também com funções judiciais e políticas, nomeadamente como governador do reino de Portugal, abandonou Portugal para regressar a Castela, os destinos da Inquisição (maldita) portuguesa foram assumidos, de forma quase ininterrupta, por elementos provenientes da própria família real. Particularmente, no segundo caso, António José Saraiva considerou ter sido um momento culminante da identificação do poder real com o poder inquisitorial, tendo a nomeação do cardeal-arquiduque Alberto constituído para a Inquisição (maldita) um suporte e uma defesa. Preocupado com a centralização da instituição inquisitorial, em 1591, ordenou a visita de todos os tribunais do reino do que vieram a resultar uma série de medidas específicas como o controlo apertado de todas as livrarias da capital, publicação nas vilas e cidades mais importantes do distrito do catálogo dos livros proibidos.

NOTA: O cardeal Henrique foi substituído no cargo de Inquisidor geral, por bula do Papa Gregório XIII de 24-2-1578, pelo bispo de Coimbra Manuel de Meneses, mas este não o chegou a exercer visto que perdeu a vida em Alcácer-Quibir. Assumiu, então, o cargo de Inquisidor-geral o arcebispo de Lisboa, Jorge de Almeida, nomeado por bula de 27 de Dezembro de 1579.

A escolha que recaiu sobre o cardeal-arquiduque Alberto para Inquisidor-geral da inquisição portuguesa talvez se inserisse nesta perspectiva de apoio e fortalecimento do Tribunal em terras lusas, visto a proximidade de parentesco entre o referido Inquisidor-geral e o monarca castelhano. A proximidade de parentesco entre a coroa e o Inquisidor-geral pode ter tido alguma relação com o aumento da repressão podendo este ser entendido como um braço do poder real na manutenção da unidade da fé e consequente reforço do poder real? Somos, pois, levados a concluir que a política seguida por Filipe II no sentido de consolidar o poder do Tribunal não se afastou de forma substancial daquela que o cardeal Henrique havia defendido e posto em prática.
Vejamos, porém, se relativamente à relação estabelecida entre o monarca castelhano e a instituição inquisitorial, bem como no que respeita àquela que o poder real e inquisitorial estabeleceu com os cristãos-novos, se registaram, ou não, sinais de continuidade entre o reinado do cardeal Henrique e o de Filipe II». In Maria do Carmo Teixeira Pinto, Os Cristãos-Novos de Elvas no reinado de D. João IV. Heróis ou Anti-Heróis?, Dissertação de Doutoramento em História, Universidade Aberta, Lisboa, 2003.

Cortesia de U. Aberta/JDACT