«Dalila
Pereira Costa identifica na tradição cultural portuguesa uma predestinação teleológica
ecuménica que seria visível principalmente
na acção e obra dos poetas e pensadores da Renascença Portuguesa. Reflectindo,
sobretudo, a partir do Cristianismo, estes autores teriam previsto, antecipado
e proposto uma transformação histórica no sentido de um universalismo real por
vir. Leonardo Coimbra, em importante artigo sobre a Saudade
publicado na revista Águia procura encontrar, em diversas
tradições culturais, filosóficas e religiosas, características antecedentes ou
pontos similares aos da portuguesa proposta e experiência da saudade. Leonardo
percorre assim as civilizações do Egipto, Babilónia e Pérsia, evoca os Celtas,
discorre sobre a Índia e o Budismo do qual afirma ser doutrina que ainda hoje se levanta cheia de
vida no pensamento dum Schopenhauer e até entre nós obsidiou Antero de Quental
e forneceu alimento às atitudes metafísicas de Oliveira Martins. A
curiosidade universal de Leonardo leva-o ainda a referir a hipnose,
a teosofia, a filosofia de Bergson e o materialismo para concluir com uma
adversativa a todos os exemplos mencionados: Mas há uma Religião, que é a mais alta e nobre expressão da Saudade,
porque apresenta o homem como um viajante desta vida em procura da verdadeira
Pátria do Infinito. É o Cristianismo. O Éden era a Pátria donde o homem foi
escorraçado (...). Por vários motivos se reveste para nós de
especial relevância esta reflexão de Leonardo Coimbra. Em primeiro
lugar, Leonardo procede neste texto a propósito da Saudade
a um conciso e circunscrito périplo por tradições espirituais, mundividências religiosas
e correntes de pensamento que dá conta de uma abertura cultural e filosófica
que enformará a atitude filosófica dos seus assumidos seguidores e
continuadores, que sentirão também a necessidade de estudar e reflectir sobre o
Oriente e o Extremo Oriente para compreender a própria história de Portugal ou
para aprofundar algumas das mais originais características da sua cultura. Em
segundo lugar, aponta o Budismo como uma influência obsidiante
em Antero de Quental e um alimento metafísico de Oliveira Martins.
Em terceiro lugar, aponta o Cristianismo como lugar da mais alta e nobre expressão da Saudade,
antecipando características de algum pensamento filosófico português
contemporâneo marcado pelo Oriente, aqui e ali sujeito até a ser considerado heterodoxo
pela sua abertura ao mistério, pela atracção por posicionamentos que a história
dos vencidos da filosofia não consagrou, por uma pulsão mística, mas acabando por culminar
no Cristianismo. Este artigo deve assim ser considerado como um dos alicerces
da atitude reflexiva e especulativa de Dalila Pereira Costa em seu
texto: Saudade, unidade perdida, unidade reencontrada. A atracção
desta autora pelo Oriente deve ser equacionada no contexto do grupo de
pensadores que habitualmente se consideram como próximos do movimento da
filosofia portuguesa, que lhe são imediatamente anteriores e de que Dalila
se apresenta como original continuadora. Lembremos, por exemplo, que António
Quadros, discípulo dos discípulos de Leonardo, Álvaro Ribeiro e José
Marinho, considera o Oriente como um dos doze arquétipos da cultura portuguesa.
Assim, a viagem para Oriente assinalará mais que o ponto extremo ou culminante
do ciclo mar-nau-viagem-descobrimento-demanda;
mais do que um ponto de chegada, um momento de transporte ou deslocação de
Portugal para o Oriente. Crucial será o trazer do Oriente para o Ocidente. A
ligação dos dois pólos implicará a sua indistinção futura, na medida em que
cada um deles deverá encontrar em si características que permitam o diálogo com
o outro. Segundo Quadros, o critério de aferição da boa orientação de uma
filosofia será a sua disponibilidade de se configurar como pensamento armilar,
integrando a fraternidade de raças, povos, religiões e ideias tanto ocidentais
como orientais. O regresso à terra onde nasce o sol significa isso mesmo: a superação das filosofias e das tradições
terrestre e localmente delimitadas. Um dos sentidos maiores das
navegações residirá na sua virtualidade: a descoberta futura do mundo como um
todo. As navegações teriam assim apenas preparado Descobertas que ainda agora
se estão iniciando: a descoberta de todos por todos, condição preliminar do
encontro da totalidade dentro de cada um. As palavras de António Quadros
ecoam claramente o programa pessoano de portuguesa fusão de todas as crenças e
filosofias e terá continuação na última fase da obra de Agostinho da Silva
que nos assume como tarefa cultural e espiritual o encontro inter-religioso e
ecuménico, relativizando cada uma das perspectivas e expondo o seu cariz
restritivo porventura servindo-se, de forma não explícita, da budista teoria da dupla verdade, que
talvez no Ocidente também já tenha tido algo de análogo no neo-platonismo, o
que libertadoramente nos inibirá de apormos ao pensamento o designativo de
oriental ou de ocidental, pois que em cada um dos pólos se manifesta aquilo que
no outro vem também a surgir. As navegações e o encontro de culturas que lhe
está associado deve ser assim visto como uma tarefa por cumprir e não como um
feito a celebrar». In Rui Lopo, A leitura do Budismo na obra de Dalila Pereira da
Costa, Estudos, Universidade de Lisboa, Associação Agostinho da Silva, Revista Lusófona
de Ciência das Religiões, Ano VI, 2007.
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