segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Organon. A Vida de Aristóteles (segundo Diógenes Laércio). Pinharanda Gomes. «Seria indecente se me calasse e deixasse falar Xenócrates. Exercitava os discípulos na discussão de uma proposta questão, e além disso também lhes ensinava retórica»

Cortesia de wikipedia

«Aristóteles, filho de Nicómaco e de Féstias, era oriundo de Estagira. Seu pai, Nicómaco, era filho de um outro Nicómaco, por sua vez filho de Macaon e descendente de Esculápio. Este Nicómaco era da estima de Amintas, rei da Macedónia, junto do qual viveu, por causa dos conhecimentos que possuía em medicina. Aristóteles foi o mais notável dos discípulos de Platão. Era um pouco tartamudo. De pernas muito delgadas, segundo consta, tinha os olhos pequenos, gostava de vestir com sumptuosidade e rapava a barba. Teve um filho. Nicómaco, de sua mulher Herpília. Abandonou Platão, sendo este ainda vivo, o que levou Platão a afirmar que Aristóteles o espezinhara como um potro, que dá uma parelha de coices na mãe. Quando Aristóteles se deslocou junto de Filipe na qualidade de embaixador de Atenas, Xenócrates assumiu a direcção da Academia. Ao regressar, Aristóteles, vendo o seu lugar ocupado procurou no Liceu um lugar para passear e para filosofar com os discípulos enquanto passeavam. De onde a sua escola haver recebido o nome de peripatética, enquanto outros pretendem ver a origem deste nome no facto de ele passear enquanto conversava com Alexandre, que convalescia de uma doença. Logo que começou a ter um maior número de ouvintes, passou a ensinar sentado, e dizia: Seria indecente se me calasse e deixasse falar Xenócrates. Exercitava os discípulos na discussão de uma proposta questão, e além disso também lhes ensinava retórica.
Mais tarde foi visitar o eunuco Hermias, tirano de Atarneia. Pretende-se que Hermias era seu favorito, mas há quem afirme que ele se tornou seu parente por ter desposado sua filha ou sua sobrinha. Demétrio também declara que este Hermias foi escravo de Eubulo, oriundo da Bitínia, e assassino do seu senhor. Por outro lado, Aristipo, no primeiro livro dos Prazeres dos Antigos, afirma que Aristóteles se enamorou da concubina de Hermias, e que com a permissão deste casou com ela, tornando-se tão feliz, que chegou a oferecer-lhe sacrifícios ao modo como faziam os Atenienses a Deméter de Elêusis, e que escreveu para Hermias um hino. A seguir, Aristóteles viajou para a Macedónia, para a corte de Filipe, que lhe entregou o preceptorado de seu filho Alexandre. Solicitou deste príncipe relevasse a sua pátria destruída por Filipe, e logrou a causa. Elaborou leis para os seus compatriotas. À imitação de Xenócrates, deu também um regulamento à sua escola, decidindo que um chefe escolar seria nomeado de dez em dez dias. Logo que achou já ter passado muito tempo junto de Alexandre, Aristóteles regressou a Atenas, depois de haver recomendado o seu familiar Calísteno de Olinto ao príncipe. Acerca desta personagem, diz-se que Aristóteles o censurou por usar perante o monarca de uma grande liberdade de linguagem, e que, em vista de Calísteno não aceitar o seu conselho, o repreendeu nos seguintes termos: Depressa morrerás, meu filho, se falares como falas.
O que deveras aconteceu. Foi acusado de participação na conjura de Hermolau contra Alexandre, encerrado .numa gaiola de ferro, abandonado aos bichos e, por fim, lançado aos leões que limparam os restos. Nessa altura Aristóteles voltou a Atenas, dirigiu a escola durante treze anos, e depois saiu em segredo para Calcis, dado ter sido acusado de impiedade pelo hierofante Eurimédon ou por Demófilo, por causa de um hino que Aristóteles compusera acerca de Hermias, e por causa de um epigrama que escrevera acerca de uma estátua de Delfos, e que dizia: Esse homem aí, com impiedade e violação da justiça divina, foi morto pelo rei dos Persas que trazem o arco; não foi vencido lealmente à lança num combate mortal, mas por um golpe pérfido e à má fé. Morreu nesta região, ao que consta, depois de haver bebido cicuta com a idade de setenta anos. O mesmo autor afirma que foi discípulo de Platão na idade de trinta anos, no que se engana, pois que de facto foi discípulo de Platão desde a idade de dezassete anos, tendo vivido sessenta e três anos. Quanto ao hino mencionado, ei-lo:

«Virtude de aquisição tão difícil,
a mais bela caça que um homem pode cobiçar,
tu és bela, ó jovem,
e é uma graça invejada na Grécia morrer por ti,
e sofrer sem ceder os males maiores,
tanto tu pões nas almas.
Um fruto imortal superior ao oiro,
aos pais e ao suave repouso.
Foi por ti que Hércules e o filho de Leda
suportaram tantos sofrimentos.
Foi por te desejar que Aquiles
e Ajax às moradas do Hades,
vieram, e foi ainda por amor.
Pela tua beleza que um ateniense perdeu a vida,
sendo por isso que é ilustre
e será imortalizado pelas Musas,
filhas de Mnémosina,
que exaltam a raça, a amizade, a glória do poderoso Zeus hospitaleiro».

Acerca de Aristóteles escrevi o seguinte poema:

«Aristóteles foi um dia acusado de impiedade
por Eurimédon, sacerdote de Deméter, deusa dos mistérios.
Bebendo a cicuta, escapou: foi o modo
de se livrar de injustas calúnias com uma exígua pena».

In Organon, A Vida de Aristóteles (segundo Diógenes Laércio), tradução de Pinharanda Gomes, Lisboa, Guimarães Editores, 1985.

Cortesia de GuimarãesE/JDACT