Sonetos
Retratar
a tristeza em vão procura
«Retratar a tristeza em vão
procura
quem na vida um só pesar não
sente,
porque sempre vestígios de
contente
hão de aparecer por baixo da
pintura.
Porém eu, infeliz, que a
desventura
o mínimo prazer me não consente,
em dizendo o que sinto, a mim
somente
parece que compete esta figura.
Sinto o bárbaro efeito das
mudanças,
dos pesares o mais cruel pesar,
sinto do que perdi tristes
lembranças;
condenam-me a chorar e a não
chorar,
sinto a perda total das
esperanças,
e sinto-me morrer sem acabar».
Feito
na cerca de chelas
«Deitei-me sobre a fresca relva um
dia,
e dando a um sono leve alguns
instantes
com os prazeres sonhei, que lá
distantes
debuxava a estragada fantasia.
Saturno vagaroso me trazia
um diadema de lúcidos diamantes,
enramado de mirtos odorantes,
o qual Cípria na fonte me cingia.
A Fortuna risonha se mostrava,
mas no disco da roda vacilando,
voltando-a, me levou quanto eu
sonhava.
Já
Délio para os mares ia olhando,
e Bóreas, que raivoso murmurava,
acordou-me, como dantes,
suspirando».
Sonetos de Leonor
Almeida Portugal Lorena Lencastre, (1750 – 1839),
in ‘Poemas de Alcipe’