«(…) Foi, decerto, o conhecimento
directo da realidade no Norte do país, tornada evidente para ele e para os
membros da sua cúria durante as suas deslocações a norte do Mondego, que levou
o rei a decidir reeditar a medida tomada em 1220 por seu pai, Afonso II, de proceder a um rigoroso levantamento
dos foros e prestações devidas pelos seus súbditos e dependentes em todas as
terras do reino situadas a norte do Mondego. O cadastro dos foros e direitos da
coroa que daí resultou constitui um dos monumentos mais impressionantes legados
pela administração régia portuguesa durante toda a Idade Média. Não sabemos
exactamente quem sugeriu a realização das inquirições. Em teoria, era uma
matéria que dizia respeito à administração do domínio régio. Competia,
portanto, ao mordomo-mor, Gil Martins, de Riba de Vizela. Custa a crer, porém,
que tenha sido iniciativa dele, ou sequer que a tivesse apoiado com grande
convicção. Como vimos, Gil Martins tinha acompanhado Sancho II até à sua morte
em Toledo. Veio pouco depois para a corte de Afonso III e mostrou merecer
suficientemente a confiança do rei para ser nomeado mordomo depois da morte do
fiel Rui Gomes, de Briteiros. Mas, como herdeiro das tradições da família da
Maia e patrono do mosteiro de Santo Tirso, era um representante típico da
nobreza senhorial. Não é fácil acreditar que tivesse defendido a realização das
inquirições com grande zelo (no reinado do rei Dinis os principais cargos da
cúria tornaram-se meramente honoríficos, ou pouco menos; talvez não fosse assim
ainda na época de Afonso III, sobretudo no princípio do reinado; com efeito,
verifica-se muitas vezes a intervenção de Gil Martins em actos administrativos,
como a concessão de prazos, a demarcação de coutos, etc; aparece também,
juntamente com o chanceler, como encarregado pelo rei de fazer executar a ordem
para se proceder à segunda alçada (Entre Douro e Ave).
O empreendimento deve, portanto,
ter sido decidido sobretudo pelo rei, e a deliberação tomada em conselho régio,
provavelmente em Coimbra, onde o rei estava em Fevereiro e Março de 1258. O conselho deve ter ponderado a
enorme quantidade de usurpações de direitos régios feitas sobretudo durante a
situação anárquica do reinado anterior, de que os mordomos locais davam conta.
Era preciso recuperar alguns deles e sobretudo obstar a que o movimento das
usurpações continuasse no futuro. O processo escolhido foi o registo por
escrito, terra a terra, dos foros e direitos que o rei devia cobrar, incluindo
os que tinham sido sonegados pelos senhores leigos e eclesiásticos. O registo
obtinha-se por interrogatório dos habitantes de cada localidade e sobretudo
pelas informações colhidas dos juízes das terras, dos párocos, dos mordomos
régios, dos notários e das pessoas mais velhas de cada lugar. Nomearam-se cinco
comissões ou alçadas, cada uma das quais encarregada de percorrer um território
relativamente vasto: entre Cávado e Minho, entre Cávado e Ave, entre Douro e
Ave, na Beira, e finalmente entre Douro e Tâmega e Bragança.
Os seus membros eram
eclesiásticos, como os priores dos mosteiros da Costa, de S. Torquato e de
Pedroso, um cónego regrante de Grijó e outro de S. Vicente de Lisboa, um ou
outro cavaleiro, um ou outro juiz de certas terras, como os de Bouças e de
Vouga, um ou outro cidadão. Além
disso, em cada uma das comissões, elemento indispensável, um escrivão do rei. É
evidente que todos eles devem ter sido escolhidos com o maior cuidado. Note-se
o predomínio dos inquiridores de alguma maneira versados na cultura letrada: os
eclesiásticos referidos, todos eles pertencentes a mosteiros situados na
periferia de cidades (Guimarães, Porto e Lisboa), os juízes e os escrivães. Sabemos
em que data começaram todas as alçadas: a primeira a 22 de Abril, a
segunda a 16 de Maio, a terceira a 10 de Junho, a quarta a 30
de Julho e a quinta a 1 de Agosto. Mas só ficou registado o dia em
que acabou a segunda, a 23 de Outubro; também sabemos que a quarta
terminou pouco depois de 13 de Janeiro de 1259. Os resultados devem, portanto, ter sido entregues ao rei
entre Setembro de 1258 e o fim de
Janeiro de 1259». In José Mattoso, O Triunfo da
Monarquia Portuguesa, 1258-1264, Ensaio de História Política, Revista Análise Social, vol. XXXV, 2001.
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