A Herança d’O Bolonhês
«(…) No entanto, importa relembrar que este cerco não foi levado a cabo
apenas por forças portuguesas, mas também pela hoste régia castelhana, comandada
pessoalmente pelo próprio Sancho IV e na qual haviam sido integrados
contingentes fornecidos pela Ordem de Alcântara e liderados pelo mestre, o
português Fernão Pais, que em finais de Agosto se encontrava já na Guarda, pelo
infante Juan, El Tuerto, genro de Afonso,
e ainda por todos os ricos-homens do
reino de Leão e da Galiza, o que terá certamente contribuído para que o
exército sitiador tivesse atingido um total que, numa estimativa modesta,
rondaria os cinco a seis milhares de efectivos. Para além disso, as forças
luso-castelhanas dispunham também de engenhos de cerco, sinal de que não
estavam dispostas a desistir facilmente do seu objectivo. Mais difícil é
perceber qual seria a composição do exército do infante, já que as fontes,
silenciosas a esse respeito, não dão qualquer pista que permita sequer descortinar
quais os vassalos de Afonso integrados na defesa da
fortaleza de Arronches. Todavia, é provável que entre esses se encontrassem os
alcaides de Portalegre e de Marvão, respectivamente, Aires Cabral
e Gomes Pais Bugalho, os mesmos que em Dezembro de 1287, isto é, imediatamente após o cerco, farão menagem desses
castelos ao rei. É também muito natural que Afonso tenha mobilizado
os moradores de Portalegre, Castelo de Vide e Marvão, praças-fortes do seu senhorio, a que se juntaram as forças
de Álvaro Nuñez Lara, que certamente somavam um número considerável de combatentes.
Mas talvez o infante esperasse ainda, o que não veio a acontecer, outros apoios
de última hora, pois naturalmente contaria poder vir a capitalizar o
descontentamento de boa parte da nobreza para com o rei, demonstrado nas cortes
de Lisboa
de 1285 e desencadeadas pelas inquirições-gerais de 1284.
Segundo José Antunes, António Resende Oliveira e João Gouveia Monteiro,
no dia 6 de Novembro o rei encontrava-se já à vista de Arronches. Ainda
assim, não deixa de ser possível que as operações tivessem sido iniciadas uma
semana antes dessa data, pois o último documento lavrado pelo rei Dinis antes
do início do cerco remonta ao dia 26 de Outubro, quando ainda se encontrava em Monforte,
vila que dista de Arronches apenas 15 quilómetros que podiam
perfeitamente ser percorridos em apenas um dia de marcha. Ainda que nada se
saiba acerca da forma como decorreu o cerco, parece-nos certo que os sitiados
ofereceram dura resistência aos sitiadores. Para isso terá seguramente
contribuído o forte perímetro de defesa do castelo, formado por uma muralha e
talvez - como se observa no Livro das Fortalezas, de Duarte d’Armas,
elaborado no século XVI, por uma barbacã e um fosso, a que talvez já se somasse
também o perímetro defensivo que, em inícios de Quinhentos, protegia a vila.
Mas tal como em 1281, também
desta feita os sitiadores acabariam por levar a melhor, com o infante a ver-se
forçado a capitular e a aceitar as regras impostas pelos vencedores. Ainda que
possa ter existido um primeiro acordo meramente verbal, os detalhes da rendição
foram acertados apenas no dia 13 de Dezembro em Badajoz, cidade para
onde o infante partira, provavelmente como uma das condições desde logo estabelecidas,
e onde se reencontrou com sua mãe, dona Beatriz, e com a irmã, dona Branca. A formalização
definitiva das pazes, bem como alguns acertos posteriores, acabaria por ser
assinada em Elvas poucos dias depois. Mas desta feita, ao contrário do
que sucedera em 1281-1282, o rei Dinis foi mais longe nas suas exigências,
obrigando o infante derrotado, em Janeiro de 1288, a abdicar da praça-forte de Arronches, trocada pela
vila de Armamar, no Douro, ou seja, numa região afastada do seu senhorio
alentejano, que agora ficava amputado de uma das suas mais importantes
fortalezas. Para além disso, era obrigado a prestar menagem ao rei pelos
castelos de Portalegre e de Marvão, embora na prática tivessem
sido os alcaides respectivos, Aires Cabral e Gomes Pais Bugalho, e depois
Estêvão Pais Abelhão, a fazê-1o. Contudo, segundo o conde Pedro, a terra
entregue ao infante (Armamar), valeria três vezes mais do que Arronches,
pelo que, em termos financeiros, a punição até nem foi assim tão severa quanto
poderia parecer à primeira vista. Quanto ao outro derrotado, Álvaro Nuñez Lara,
viria também a assinar, em Dezembro, uma concórdia com Sancho IV, pela qual
punha fim à sua rebelião, da qual, graças à intervenção de Dinis, acabaria por
ser perdoado e por ver iniciado o processo de afastamento de Lopo Dias Haro,
que levará à morte deste em Junho de 1288.
Porém, o Lara já não assistirá à queda definitiva do rival, pois virá a morrer,
dias depois das pazes com o seu rei, quando se encontrava ainda em Portugal, na
praça-forte de Marvão». In Miguel Gomes Martins, Guerreiros
Medievais Portugueses, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2013, ISBN
978-989-626-486-4.
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