quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Mitos de Ontem e de Hoje Existe um tesouro da Flor de la Mar? O arranque dos Descobrimentos. Paulo Jorge Pinto. «Em 1511, os problemas da Flor de la Mar eram conhecidos, mas o governador utilizou-a na expedição a Malaca. Em Janeiro do ano seguinte, quando se preparavam para regressar a Goa…»

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Mitos
«Não é preciso procurar muito; basta digitar Flor de la Mar no Google e espreitar a primeira página de resultados: informações incríveis sobre um fabuloso tesouro perdido nas águas indonésias, afundado com a nau carregada com o saque de Malaca, na qual Afonso Albuquerque regressava à Índia. Uma das páginas coloca-o no top 10 dos tesouros perdidos e diz tratar-se do mais rico tesouro ainda por encontrar, constando de mais de 54 toneladas de ouro, avaliadas em 216 mil milhões de dólares; outro fala em elefantes e tigres em ouro maciço, valendo mais de mil milhões de libras; outro ainda menciona 60 toneladas de ouro e 200 cestos cheios de diamantes, rubis e esmeraldas, o maior tesouro alguma vez transportado pela marinha portuguesa. São dados que ocasionalmente aparecem na imprensa e que inflamam a imaginação de caçadores de tesouros e do público em geral. Nunca foi, que eu saiba, motivo para uma adaptação cinematográfica, mas já serviu de mote para um romance histórico e, até, para um disco do Vitorino. Que verdade há em tudo isto?
A Flor de la Mar era uma nau portuguesa de 400 t, construída em Lisboa, que fez a sua primeira viagem em 1502, na armada de Vasco da Gama. Viria a repetir a jornada entre Portugal e a Índia por diversas vezes, tendo sido, portanto, submetida a grande desgaste. Os primeiros problemas surgiram em 1506, no regresso a Portugal, por alturas da passagem do cabo da Boa Esperança. Reparada em Moçambique, voltou à Índia e foi colocada novamente ao serviço. Fez parte da armada que, em 1509, infligiu uma memorável derrota a uma frota egípcio-otomana que surgira no Índico para expulsar os Portugueses, a célebre batalha de Diu. Aparentemente, era a nau preferida do vice-rei Francisco Almeida, que a terá escolhido para fazer a sua viagem de regresso a Portugal. Mas isso não veio a ocorrer e a Flor de la Mar ficou ao serviço do novo governador, Afonso Albuquerque, que lhe deu largo uso. Conhecem-se alguns pormenores sobre a sua tripulação, nomeadamente quem era o seu condestável, o escrivão a bordo e o mestre.
Em 1511, os problemas da Flor de la Mar eram conhecidos, mas o governador utilizou-a na expedição a Malaca. Em Janeiro do ano seguinte, quando se preparavam para regressar a Goa, os Portugueses hesitaram em carregá-la com o espólio do saque da cidade. Os sinais de degradação eram visíveis a todos e, pelo que contam os cronistas, ninguém queria embarcar nela. Foi preciso que Albuquerque desse o exemplo e decidisse viajar ele próprio na velha nau para dissipar as dúvidas. Pouco depois da largada, e ainda no estreito de Malaca, o navio não resistiu ao mar agitado e afundou-se, partindo-se em duas metades. O governador salvou-se, assim como parte dos passageiros que com ele regressavam à Índia, mas a carga perdeu-se na sua quase totalidade. Assim nasceu a lenda do tesouro da Flor de la Mar. Quem for hoje a Malaca pode ver uma réplica do navio, no museu histórico local». In Paulo Jorge Sousa Pinto, Os Portugueses Descobriram a Austrália? Existe um tesouro da Flor de la Mar?, Mitos de Ontem e de Hoje, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2013, ISBN 978-989-626-498-7.

Cortesia de ELivros/JDACT