Afonso VI, o rei das cinco esposas e duas concubinas (1073-1085)
«(…) O papa chegaria a qualificar Constança, sem a nomear, de mulher de perdição, e até a acusá-la de complot com um monge cluniacense
passado para o seu serviço com o fim de prejudicar a reforma do rito. No fim,
as águas voltariam ao seu curso e o conflito resolver-se-ia com um compromisso,
por parte de Afonso VI,bque afastou o monge em questão do mosteiro de Sahagún,
onde o tinha colocado, e favoreceu ainda mais a Reforma. O papa entregou a
causa matrimonial do rei a bispos partidários do monarca, e nunca mais voltou a
fazer-se alusão nas cartas pontifícias ao matrimónio
ilícito. Constança ficou rapidamente grávida e em 1080 trouxe ao mundo o primeiro e único conhecido rebento que daria
ao rei. Uma menina, a infanta Urraca, a irmã com quem dona Teresa de Portugal
brincaria durante quase toda a sua vida a um jogo, mistura de política, paixões
e desafios pessoais, que não tem paralelo no âmbito da história ibérica e,
quiçá, europeia. No mesmo ano do nascimento da sua primogénita Urraca, o rei teve
de resolver um problema judicial, a querela entre o mosteiro de Samos, na Galiza,
e os saiões (oficiais régios) do governador do castelo de Ulver, lugar sito no
território do Bierzo, limítrofe da jurisdição galega. Dessa comarca tinham
saído, séculos antes, muitos povoadores das terras portuguesas, quando a filha
do conde Gatón, Ermesinda, casou com o conde Hermenegildo Guterres,
conquistador de Coimbra.
O tenente ou governador do castelo de Ulver chamava-se Muño Muñiz, como
o conde que tinha trazido de Sevilha as relíquias de Santo Isidoro em 1063, do qual, provavelmente, era
filho. O interessante deste documento é que faz referência a uma visita do rei
a uma zona que no futuro aparecerá sempre relacionada com a mãe de dona Teresa,
Jimena Muñiz, que é considerada irmã do governador do castelo de Ulver. Segundo
uma das hipóteses tradicionais, as duas filhas que Jimena teria do rei
nasceriam a partir dessa data. Elvira
em 1080 e dona Teresa em 1081, pelo que os acontecimentos que este
documento narra situar-se-iam, pois, num momento próximo daquele em que podem
ter tido início, de acordo com essa hipótese, as relações do monarca com a mãe da primeira rainha de Portugal,
se bem que o facto de o suposto irmão de Jimena ter a posse do castelo
de Ulver naquelas datas não tornava indispensável que tivesse de viver naquele
local, e por conseguinte a irmã também não. Dado que o tenente Muño Muñiz aparece a confirmar documentos ao lado do rei em
Leão desde 1075, Jimena não seria uma personagem alheia à corte,
sobretudo se o pai tinha sido o conde Muño Muñiz, que provinha de uma antiga
família da nobreza asturiana. Era filho de um conde chamado Muño Rodrigues
originário das Astúrias ocidentais (ou de Oviedo) e conhecido pela alcunha de Canis, o Cão. A sua estirpe já era ilustre em finais do século X, quando
casou com a prestigiada linhagem dos Velas, supostamente aparentados com a casa
real de Navarra. Encontra-se muito documentado em Libro de registro do
mosteiro de Corias, em Oviedo.
O facto de o nome Jimena aparecer amiúde entre os membros femininos
desse clã, permite considerá-lo um dos chamados nomes de linhagem, dessa família. Chamava-se assim àqueles
que eram os mais usados por uma estirpe, ao ponto de bastarem para situar (aproximadamente)
a linhagem a que pertenciam. Jimena tinha sido também um dos nomes mais
utilizados pelas mulheres da casa real de Navarra, da qual os Muñozes asturianos
possivelmente descendiam através do seu entroncamento com os Velas. Esta
estirpe é, aparentemente, a que tem mais possibilidades de ter sido a da mãe de
dona Teresa. Uma linhagem a que se adapta perfeitamente o qualificativo de mui nobre, que todas as fontes atribuiriam
a Jimena Muñiz. Contudo, quase todos os cronistas e historiadores
afirmariam durante muito tempo que a mãe de dona Teresa pertencia à linhagem
dos Guzmanes, ao ponto de isso se tornar quase a versão oficial tanto em Portugal
como em Espanha. Segundo uma importante obra genealógica portuguesa do século
XVIII, Jimena era filha do conde Nuno Rodrigues Gusmão, que vivia
no anno de 1040 e de sua mulher
Ximena, filha de Ordonho, Infante de Leão... Do outro lado da raia, o citado padre Flórez, na sua
conhecida História das Rainhas
Católicas de Espanha, mais ou menos pela mesma época, coincidiria com
os genealogistas lusitanos ao escrever: Acrescentam
os modernos, com geral reconhecimento, que foi da excelentíssima casa dos
Guzmanes, assinalando a filiação desta senhora pelos seus pais, o conde dom Nuno
Rodrigues e dona Jimena Ordoñez, filha do infante dom Ordonho, cujo pai foi o
rei dom Bermudo II.
Assim, essa filiação acabaria por ser aceite por todos, inclusivamente
nesses polémicos anos. Mas a genealogia da casa de Guzmán, reconstruída com
base em documentos da época autênticos, não avaliza essa versão. Com os dados actualmente
existentes não é possível fazer o entroncamento
entre o primeiro membro conhecido dessa família com o conde Muño (não Nuño)
Rodrigues, casado com a filha do infante Ordoño, que as genealogias
tradicionais consideram ser pai de Jimena. Este conde provinha de uma
antiquíssima linhagem galega que pode remontar sem dificuldade até ao primeiro
conde de Lugo, por volta do ano 890.
Linhagem que, para se diferenciar de homónimos, costumava ser seguida pela
denominação Gallecie». In
Marsilio Cassotti, D. Teresa, A Primeira Rainha de Portugal, Prefácio de G.
Oliveira Martins, Attilio Locatelli, A Esfera dos Livros, 2008, ISBN
978-989-626-119-1.
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