A
Philéas Lebesgue
«Era uma fria noite de Natal.
Já no zénite a lua derramava
a sua palidez misteriosa,
transfigurando as cousas que se
mostram
na sombra, com seus gestos de
Fantasma
e atitudes de estranha Aparição…
Nos solitários longes montanhosos
a névoa e o luar, quiméricos,
deliam
a moribunda face da Paisagem…
E esta, por um milagre e
encantamento,
se espiritualizava,
convertendo-se
em Figuras de sonho, aéreos
Corpos…
E eram perfis de Fadas
espreitando,
asas de Serafins que, no seu voo,
pareciam levar alguma Virgem…
A aragem fria e fina arrepiava
as árvores e os nocturnos
viandantes,
e retocava o brilho das estrelas.
Os pinheiros gemiam surdamente;
e na face das pedras espelhada,
o luar abria num sorriso triste.
Vultos negros, opacos de penedos
erguiam-se sonâmbulos e mudos
no crepúsculo, e olhavam como
Esfinges…
O Silêncio reinava: era o Senhor
da noite e da paisagem, e o seu
Reino
para
além das estrelas se estendia…
Por um longo caminho
esbranquiçado,
entre pinhais sombrios e
confusos,
a Morte cavalgava a largo trote.
As patas espectrais do seu Cavalo
ouviam-se bater na terra dura
e sonora que o gelo trespassava.
E aquele ruído seco,
difundindo-se
na merencória lividez do céu,
o ensombrava de lágrimas e medos…
E figurava o ar a feia Morte,
envolta numa túnica de sombra,
segurando na mão, só feita de
ossos,
a Foice, em cuja lâmina luzente
se espelhava o luar…
Seus fundos olhos
encovados, volvidos para dentro,
eram poços de treva, onde os
morcegos,
as estrelas, as árvores, as
nuvens,
iam ver sua imagem reflectida.
Os pássaros nocturnos, celebrando
a Noite nos seus cantos
agoureiros,
esvoaçavam de encontro àquelas
órbitas
vazias, descarnadas: dois buracos
apagados de luz, secos de
lágrimas,
sobre um aberto riso empedernido.
E a Morte cavalgava a largo
trote,
por um ermo caminho
esbranquiçado,
no arrepio da Noite e do Mistério…
O vento fino e frio magoava
as árvores, fazendo flutuar
a túnica da Morte que envolvia
seu corpo de esqueleto e as
largas ancas
do seu Cavalo, cuja sombra
inquieta
e nervosa manchava a estrada
clara.
E atravessava agora um indeciso
planalto, em formas vagas,
emergindo
da
cerração noturna dos pinhais.
[…]
Poema
de Teixeira de Pascoaes, in ‘O Doido
e a Morte’
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