O sílex e o novo estilo de vida
«(…)
Ao contrário do que pode parecer, o talhe lítico é um processo muito técnico e
preciso. É imprescindível ter alguns conhecimentos e perícia para converter um
pedaço de sílex num machado. Mas, além disto, nos finais da Idade da Pedra
estas ferramentas serviram ainda para cortar árvores de grande porte, de modo
que os povos nómadas que tinham sido caçadores e recolectores formaram
comunidades e dedicaram-se à agricultura e à criação de animais, dado que os
bosques já podiam converter-se em quintas. Ao mesmo tempo que os homens do
Neolítico mudavam o seu estilo de vida, em Stonehenge, que até então não passava
de um fosso primitivo cavado com picaretas de corno de animal, outra etapa se
iniciava. A nova tecnologia do sílex permitiu erguer uma estrutura do lado de
dentro do talude composta por 56 postes de madeira que seguiam a mesma forma
circular. Não existe nenhuma de pé, mas
os arqueólogos analisaram o tipo de terra que enche os 56 buracos nos quais
assentavam, também eles escavados no solo calcário do local, e conseguiram
perceber que em cada um se fixava um poste de madeira. O que já não é possível
adivinhar é se, à semelhança do modelo de pedra posterior, estes postes
suportariam outros troncos, em cima, à maneira dos lintéis. Não se trataria do
único monumento pré-histórico construído principalmente com este material,
assegura Julian Richards.
A
uns escassos três Km dos blocos megalíticos de Stonehenge encontra-se Woodhenge,
henge
é o nome que os arqueólogos dão a este tipo de construções pré-históricas de forma
circular. Ambas as ruínas pré-históricas seguem um plano de círculos
concêntricos muito semelhante. Até ao ano de 1920, acreditou tratar-se das ruínas de um enorme túmulo funerário
que fora despojado da terra. No entanto, assim que foram tiradas as primeiras
fotografias aéreas, descobriu-se que cada um dos pontos escuros que apareciam
marcados no terreno, indicava a posição de um poste de madeira e que todos
juntos formavam um círculo. Mas este lugar tem algo mais do que a simples
semelhança arquitectónica com Stonehenge. No decorrer das escavações no centro
do círculo de Woodhenge, foi desenterrado o cadáver de uma criança trepanada,
fruto, possivelmente, de um sacrifício ritual cujo desenvolvimento apenas podemos
imaginar mas que não conhecemos de fonte segura. Em redor dos seis anéis concêntricos que o compõem, explica Julian
Richards, foram encontrados diversos objectos, desde ossos de animais a
cerâmica muito ornamentada e, mesmo no centro, a sepultura da criança.
Woodhenge contava com uma estrutura de madeira com uma função de tipo
claramente religioso e, apesar da sua construção ter requerido um enorme
esforço, o facto é que não passava de uma simples estrutura feita de troncos.
Se compararmos os dois conjuntos pré-históricos, Woodhenge será o equivalente à
ermida da aldeia ou à igreja local, enquanto Stonehenge, com a sua estrutura de
pedra, seria a catedral. Em Stonehenge, esclarece Richards, não se
encontram vestígios de sacrifícios humanos, mas inúmeros vestígios de
incinerações dentro dos buracos onde assentavam os primitivos postes de
madeira. Portanto, durante quatrocentos anos, antes de as árvores serem
cortadas, antes de os povos neolíticos que habitavam a zona substituírem a
madeira pelos gigantescos blocos de pedra que hoje conhecemos, Stonehenge foi,
antes de tudo, um cemitério do qual a própria cinza das piras funerárias chegou
aos nossos dias». In The History Channel, Los Grandes Misterios de la Historia, Randon
House Mondadori, 2008, Os Segredos de Stonehenge, tradução de Maria Irene Carvalho, Clube do
Autor, Lisboa, 2010, ISBN 978-989-845-206-1.
Cortesia
de CdoAutor/JDACT