«(…) Pois que o que sucedeu foi
apenas o abrir de uma possibilidade, a exposição de uma virtualidade por
realizar. Segundo Quadros, ao possibilitar a interpenetração fica aberta à
filosofia a sua mais ampla compreensão: ofertámos à especulação filosófica a
máxima latitude dos pensamentos ocidentais e orientais. Assim, mais que
celebrar as navegações haveria que proceder à efectiva descoberta do que o
Oriente realmente seja. No mesmo sentido, recordemos um muito digno de menção e
reflexão heterónimo castelhano de Agostinho da Silva, José Maria Carriedo,
apresentado ao leitor como um amigo que intervém no curioso diálogo entre
heterónimos presente em Folhas Soltas de São Bento: homem que mora
há quarenta anos no Japão, que come à japonesa, mora à japonesa, veste à
japonesa, não me falou de outra coisa senão da Espanha e dos problemas da
Espanha, aonde nunca voltou (...) como bom espanhol, Carriedo não
teoriza sobre sua existência; limita-se, ou dilata-se, a vivê-la plenamente; as
teorias ficam para os cartesianos; como cartesiano, proporia eu que se visse em
Carriedo uma explosão daquele orientalismo que os observadores têm denunciado
na evolução da cultura peninsular e uma afirmação de que o motivo religioso
ainda é o mais forte na Ibéria. Pelos mesmos anos, também José
Marinho irá reflectir sobre a pretensa oposição entre Ocidente e Oriente.
Assim, dirá que a filosofia, tal qual foi, tal qual é, seria
incompreensível sem a contribuição de judeus, árabes e cristãos, sejam teólogos
ou filósofos da Natureza. Assim também o pensamento dos gregos seria
incompreensível sem o Oriente mais próximo ou remoto. (...) Quanto
à restrição heideggeriana do conceito de filosofia a cousa europeia, helénica,
ou posterior à Hélade, não parece de aceitar em povos periféricos da Europa em
relação com o amplo mundo. Aqui também se valoriza a interpenetração
como característica funda da filosofia e seu programa de futuro.
A distância do chamado centro
europeu é também aqui valorizada por implicar uma proximidade com o amplo
mundo. Em atitude convergente, Dalila identifica na tradição
cultural portuguesa uma predestinação teleológica ecuménica que seria
visível principalmente na acção e obra dos poetas e pensadores da Renascença
Portuguesa. Reflectindo, sobretudo, a partir do Cristianismo, estes autores
teriam previsto, antecipado e proposto uma transformação histórica no sentido
de um universalismo real por vir. Esta mutação futura consistiria num esforço
comparável à aventura da Descoberta. Desta feita, porém, a questão já não se
prenderia com uma expansão ou dilatação (de Fé e Império) do que se é,
ou mesmo com uma simples apropriação do que se encontre (e que nos manteria numa
horizontalidade dada) mas fundamentalmente com uma vertical outração:
isto é, tratar-se-ia de acolher entre
todas as tradições espirituais da humanidade aqueles elementos de plenificante
sentido, isto é, os mais
matriciais de futuro em fecundidade
sempre nova e diferente; seria agora então o momento de
actualizar aquilo que mais nos possa superar, operando uma mutação, que
consiste na sobre-humanização ou divinização do homem, no ultrapassamento da
condição mental ainda dominante. A isto a autora denomina como uma missão
antropológica transcendente, uma destinação antropocósmica.
Assim, as tradições espirituais
da humanidade serviriam de anúncio e programa de transformação emocional e
mental, de metamorfose anímica e espiritual. A reflexão de Dalila marca um momento
alto de toda a filosofia da Saudade do século XX pelo seu grande fôlego
especulativo, densidade metafísica e consistência do esforço de síntese operado
sobre as teorizações anteriores. Tal como vimos suceder com Leonardo
em seu instigante contributo, também Dalila experimentou a necessidade de
confrontar a teoria da saudade com aquilo a que chama Budismo,
vendo-os contudo como contrapolares e considerando a Saudade como uma força de oposição à descontinuidade budista do
eu. Provando a fecundidade do cotejo dos temas de cultura portuguesa com
temas orientais e, nomeadamente, do Budismo com a Saudade (caminho
esboçadamente aberto por Leonardo e retomado por Dalila), Paulo Borges, em
nossos dias, leva a cabo uma nova e original teorização da saudade marcada
justamente pela presença de temas e noções próprios da tradição budista». In
Rui Lopo, A leitura do Budismo na obra de Dalila Pereira da Costa, Estudos,
Universidade de Lisboa, Associação Agostinho da Silva, Revista Lusófona de
Ciência das Religiões, Ano VI, 2007.
Cortesia
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