Neto de Maria Stuart. Decapitado pelo Parlamento inglês
«(…) Muitos galgaram os degraus do patíbulo para ensopar os lenços no
sangue, que afinal não era azul, mas vermelho, como o de toda a gente. A morte
de Carlos Stuart em nada desmereceu da de sua avó, infortunada como ele.
Afinal, eram ambos Stuarts e os Stuarts, era da tradição, se não sabiam governar bem, sabiam bem morrer! Realmente, a vida de
Carlos I não fora brilhante ou invejável. Ele teria tido, sem dúvida, melhor
moldura para o seu reinado se, em vez de se mover no tablado das brumosas
regiões inglesas, tivesse vivido noutro ambiente mais galante e mais tolerante.
Madrid ou Viena, por exemplo, onde a mentalidade colectiva era, ao tempo, mais
delicada, teriam, talvez, compreendido melhor esta personalidade real, de psicologia
remarcada e firme, este homem coroado tão generoso, humano, artista,
profundamente imbuído dos seus deveres do que, por defeito de educação
considerava os seus deveres.
Os-filhos mais velhos do Stuart, Carlos e Jaime, encontravam-se no
exílio, na Holanda, junto do seu cunhado, o príncipe de Orange, que os auxiliava.
Carlos I despedira-se dos filhos mais novos, dona Isabel e o duque de
Gloucester, antes de subir ao patíbulo. O monarca deu conselhos ao último. Vão
talvez aclamar-te, mas não deves ser rei enquanto viverem teus irmãos, porque
se os apanharem cortar-lhes-ão a cabeça..., e o mesmo te espera, meu filho. Não
deves, pois, consentir na coroação... Para Carlos I o período mais feliz do seu
reinado teria sido, exactamente, o dos onze anos que governara sem Parlamento.
Foi nessa fase que logrou impulsionar, de forma assinalável, a indústria do país,
que muito lhe ficou devendo.
Após a execução do infeliz soberano, o governo parlamentar exigia de
Portugal, por intermédio da sua esquadra, a entrega dos sobrinhos do Stuart, os
príncipes palatinos Roberto e Maurício, que se haviam acolhido à protecção da
corte de Lisboa. João IV, de Portugal, cedendo mais a razões humanas do que
políticas (os interesses de Portugal, nesse momento, quiçá tivessem aconselhado
o contrário!) negou-se a atender as imposições da Inglaterra, numa honrosíssima
atitude. E os sobrinhos do rei decapitado puderam sair do solo português incólumes
e em liberdade para continuarem a combater pela causa de seu tio, e agora,
porventura, desejando apenas vingá-lo.
Realmente, quando, anos mais tarde, restaurada a realeza,
Carlos II subiu ao trono, um dos seus primeiros actos foi o de julgar e
condenar à morte os juízes de Carlos I, seu pai. Quanto à rainha-viúva,
Henriqueta Maria, homiziada, apos o trágico fim do marido e depois de ter vivido,
no Louvre, a miséria imposta pela avareza de Mazarino, recolheu-se ao Convento
da Visitação, em Chailot, de que foi fundadora. Sobreviveu ainda vinte anos ao
esposo. Morreu em 1669, em Colombes».
In Américo Faria, Dez Monarcas Infelizes, Livraria Clássica Editora,
colecção 10, Lisboa, s/d.
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