Quem
era Pedro Fernandes Queirós?
«Nascido
em Évora em 1565, Queirós sabe-se
muito pouco sobre as suas origens e nos seus escritos aparecem raríssimas
referências à família, à infância e juventude, à formação escolar. É um homem
enigmático. Prestadas por ele encontrei informações num dos seus relatos de viagens
dos anos iniciais de 1600 referindo-se ao facto de ter encontrado em Caracas
três sobrinhos, filhos de um irmão de quem não havia sabido em muitos anos
e que teria casado e morrido aí; de uma lista feita por ele, provavelmente em 1614-1615,
de pessoas que se propunha levar para a colonização das terras austrais, El
Capitan Pedro Fernández de Quirós, Francisco de Quirós, su hijo, Lucas de
Quirós, su sobrino y Maria de Guevara, su mujer; e num registo da Casa de
Contratação de Sevilha, datado de 14 de Março de 1615, Información presentata por el Capitan Pedro Fernández de
Quirós /.../ à las Indias con su mujer, hijos y criados ..., feito meses
antes da sua viagem de regresso às terras americanas e falecimento no Panamá em
1615. De acordo com algumas fontes
mais recentes, como a de Justo Zarugoza na Historia
del Descubrimiento de las Regiones Australes hecho por el General Pedro
Fernández de Quirós, 1876-1882, e de Ignacio Gracia Noriega em Entrevista de la
historia, de 2006, Pedro
Fernandes Queirós foi educado pelos franciscanos da Província de Piedade, vizinha
da Província de San Gabriel da Extremadura espanhola. Estas províncias eram
dominadas por sectores da Ordem dos Frades Menores (Ordo fratrum minorum) em que se incluíam os espirituais, defensores dos princípios fundadores da pobreza
franciscana, com a sua ala mais radical, rígida defensora da pobreza absoluta,
dita dos zelanti ou fraticelli, e os conventuais reformados
ou descalços que queriam adaptar a sua pobreza às necessidades do
momento procurando um compromisso com a Igreja institucional, sendo estes mais
influentes na área de Évora, com sede em Vila Viçosa, onde eram mais conhecidos
por capuchos. Dedicados a uma
vida espiritual emocional que procurava imitar a de Jesus Cristo, sobretudo os espirituais alimentavam uma visão
milenarista peculiar que antecipava o Paraíso na Terra. No século XV tinham
retomado as ideias do abade cisterciense Giacchino Fiore ou Joaquin Fiore (cerca
de 1135-1202) recompostas no neo-joaquinismo, e no século XVI as
influências da Utopia de Thomas More. Uma das principais contribuições de
Joaquin Fiore foi a de ter concebido uma percepção espiritual ou mítica da
história da humanidade. Por um lado, estudando as correlações bíblicas chegou à
conclusão que as Sagradas Escrituras continham a revelação exacta do propósito
de Deus; e, por outro lado, elas permitiam dividir a história da humanidade em
três idades ou eras do mundo (de tribuis statibus mundi) de acordo com
as três pessoas da Santíssima Trindade. A primeira, a do Deus-Pai, entre
Adão e Jesus Cristo, da lei ou da pena de talião incluía Moisés (o Antigo
Testamento), em que as figuras importantes tinham sido os profetas; a
segunda, a de Deus-Filho, do nascimento de Jesus o Cristo (Novo
Testamento), da resolução de conflitos e do perdão mútuo, tendo os sacerdotes
como figuras de relevo, ia até ao ano de 1260;
e a terceira, a do Espírito Santo, a da inteligência espiritual, da
liberdade, do amor universal, da igualdade, sendo as figuras mais importantes
os monges, de 1260 até à consumação
dos tempos. Surgiria a Nova Jerusalém.
É
nos relatos de viagens, mas sobretudo nos Memoriales, que poderá ser visto
como estas ideias estiveram presentes no espírito de Queirós e nas suas
decisões. Segundo Justo Zaragoza e Gracia Noriega, ainda jovem Queirós mudou-se
para Lisboa onde passou a frequentar a Rua Nova, ouvindo dos mareantes
que por aí passavam as descrições sobre as terras que iam sendo descobertas.
Seduzido pela aventura terá conseguido embarcar como escrivão num barco em
viagem pela costa de África e, como o oficio lhe deixava muitos tempos livres,
aproveitou-os para adquirir conhecimentos sobre os barcos e os modos de navegar,
o que lhe terá permitido, noutra viagem, embarcar como piloto. Entre 1588
e 1589 contraiu matrimónio com dona Ana Chacón Miranda, de 25 anos, natural
de Madrid, e ofereceu os seus serviços à Corte castelhana. Do casamento nasceu
uma filha em Madrid em 1590. Não era
passado muito tempo Queirós partiu para o Peru. Em 1595 embarcou em Callao como piloto chefe de uma Armada comandada
por Álvaro Mendaña Neyra (1542-1595), começando assim as suas viagens
pelo Pacífico. É de crer que teve outro matrimónio porque na lista de 1613-1614
com os nomes de pessoas que pensava levar para a colonização das terras
austrais aparece uma dona Maria Guevara como esposa. A leitura dos seus
escritos, sobretudo dos 54 Memoriales publicados por O.
Pinochet la Barra, alguns deles muito longos e cheios de pormenores, por vezes
repetindo-se, revela um homem profundamente religioso, que invocava Deus com
demasiada frequência, persistente, dotado de uma cultura vasta e sólida,
conhecedor da historia e das descobertas recentes, da situação de crise não só
da Monarquia Hispânica mas também do resto da Europa. Tudo começou quando, no
regresso da viagem de 1595, ou
durante ela, arquitectou o projecto de fazer a descoberta da mítica Terra Australis Incognita,
partindo do Peru, mais propriamente, de Callao, porto da cidade de Lima, e
regressar a Espanha pelo Índico e pelo Atlântico, depois de dobrado o cabo de
Boa Esperança». In Ilídio Amaral, Pedro Fernandes de Queirós ou Pedro Fernández de
Quirós (1565-615), o Descobridor de ilhas, o Visionário de um continente cheio
de riquezas “en la parte Austral Incognita” e de Projectos para a sua
colonização: quando a História, a Geografia e a Utopia se cruzam (séculos
XVI-XVI), Edições Colibri, Lisboa, 2014, ISBN 978-989-689-446-7.
Cortesia
de EColibri/JDACT