Cherbourg, França. 10 de Abril
de 1912
«(…) As
docas estavam escorregadias por causa das algas. Com o coração acelerado, ela encolheu-se
entre o burburinho e o caos ao seu redor e inspirou o ar penetrante e salgado
que vinha do mar. Mas onde estavam as placas anunciando os empregos? Ela
abordou um homem metido num uniforme com grandes botões de metal e perguntou
num francês hesitante, e depois num inglês urgente, quem estava encarregado de
contratar funcionários para a limpeza e a cozinha daquele novo e grande navio. Chegou
tarde, minha jovem, os serviçais já foram todos contratados e os passageiros
logo estarão embarcando. Má sorte a sua, receio. Ele deu-lhe as costas. Não
importava quanto ela sorrisse, seu plano estava ruindo. Que idiota... ,ela
deveria ter ido antes. E agora? Engoliu o sentimento vazio de não saber o que
viria a seguir e tentou pensar. Encontre famílias; procure crianças pequenas.
Ela daria uma boa ama. Então ter sete irmãos e irmãs menores não contava como
experiência? Ela estava pronta para isso, sem problema nenhum; só precisava
encontrar a pessoa certa e dizer as coisas certas para conseguir o que queria.
Ela não iria desistir, não seria mesmo. Iria embora de qualquer jeito. Mas ninguém lhe deu a
mínima. Um casal inglês de idosos recuou quando ela perguntou se eles precisavam
de companhia para a viagem. Quando se aproximou de uma família com crianças e
ofereceu seus serviços, eles a olharam com desconfiança, sacudiram a cabeça com
educação e se afastaram. O que ela esperava? Ela devia estar parecendo
desesperada, com os cabelos desgrenhados e tudo o mais. Lucy, olha aquela garota ali. Elinor apontou um dedo delicado e bem
cuidado para a frenética Tess. Ela é uma beldade. Linda, de olhos grandes. Olha
só ela correndo para falar com as pessoas. Creio que está tentando entrar no
navio. Acha que ela está fugindo de alguém? Talvez da polícia? De um homem? Não
tenho como saber, mas com certeza tu vais tecer uma bela história com isso,
disse Lucy, acenando para Cosmo, que se aproximava. Ele parecia, como sempre,
meio alheio ao ambiente. Olhos frios, expressão calma; sempre no comando.
Seguindo-o, vinha um mensageiro tímido. Lucile, houve um problema... Cosmo
iniciou. Eu sabia, interrompeu Lucile, enrijecendo a mandíbula. Foi Hetty, não
é? Ela disse que não pode vir. A mãe está doente, informou o mensageiro. Ele
inclinou-se para a frente, quase numa reverência nervosa, o melhor que pôde,
porque Lucile agora estava furiosa. Diga a essa garota que ela não pode
desistir na hora de partirmos! Quem ela pensa que é? Se não embarcar connosco,
está despedida! Você lhe disse isso? Ela olhou carrancuda para o homem. Sim,
madame, ele arriscou-se a responder.
Tess ouviu a confusão
e parou, atraída pela visão das duas mulheres. Seria possível? Sim, uma delas
usava o mesmo chapéu grandioso com a belíssima fita verde que ela vira da
janela; e estava bem ali, distraidamente dando leves batidas no chão com a
ponta daquela mesma sombrinha. A voz aguda da outra mulher captou a sua
atenção. Que desculpa miserável!, vociferou ela. Alguém
não tinha aparecido para a viagem, alguma espécie de empregado, e aquela ‘pessoa’
de cabelo ruivo vivo e batom cor de
carmesim estava furiosa. Que aparência formidável tinha ela. O rosto de ossos
marcantes, imóvel, não admitia concessões, e os seus olhos arregalados pareciam
capazes de mudar de suaves para duros numa questão de segundos. Naquele
momento, não havia nenhuma suavidade neles. Quem é ela?, perguntou Tess a um
rapaz que se juntara ao grupo. A sua voz tremia. Nada estava certo. Tu não sabes? Ela olhou de novo
para a mulher e notou como as pessoas diminuíam os passos ao se aproximar,
sussurrando, lançando-lhe olhares de admiração. Sim, havia algo familiar. Não
acredito..., disse ela num fio de voz. É Lucile Gordon.
Óbvio. Couture, você sabe. E a outra mulher é a irmã dela,
Elinor Glyn. Ela é de Hollywood, escreve romances. Alguns bastante
escandalosos, na verdade. Tess mal ouviu
o que ele dizia. Aquela personagem irada era a estilista mais famosa do mundo,
alguém cujos lindos vestidos ela havia visto nos jornais, e agora estava a
poucos metros de distância. Era a sua chance,
era a sua chance. Lady Duff Gordon, não acredito no que estou vendo!, irrompeu
Tess, abrindo caminho. Eu a admiro tanto! A senhora é tão talentosa. Já vi
fotos dos seus vestidos que me fizeram sonhar. Ela estava matraqueando, mas não
se importava. A única coisa que queria era a atenção de Lucile. A estilista a
ignorou. Eu
adoraria trabalhar para a senhora, implorou. Conheço o ramo. Sou costureira,
faço trabalhos muito bons, poderia ser de grande ajuda para a senhora. Ela
pensou, enlouquecida: e agora, o que dizer? Sou óptima com casas de botões, qualquer coisa
que a senhora necessite. Por favor... Ela está
desesperada, murmurou Elinor com um risinho enquanto endireitava o seu chapéu
elaborado. Lucile virou-se na direcção de Tess. Você sabe de que trabalho se
trata?, inquiriu ela. Tess hesitou. É para ser minha empregada pessoal. E
agora, continua interessada? Tudo bem. Qualquer coisa, qualquer coisa para entrar
nesse navio. Trabalhar com lady Lucile seria uma oportunidade inacreditável. Onde
trabalha? O que faz? Eu..., trabalho numa casa em Cherbourg. E faço vestidos.
Tenho clientes muito satisfeitos. Uma servente, nenhuma surpresa, murmurou
Elinor. Lucile a ignorou. O seu nome? Tess Collins. Tessie. Ah, sei. Não.
Tess. Que seja. Sabe ler e escrever? Mas é claro!, Tess estava
indignada. Os olhos de lady Duff Gordon reviraram-se com admiração diante
daquele arroubo». In Kate Alcott, A Costureira, Geração Editora,
tradução de Ana Mesquita, 2012/2013, ISBN 978-858-130-131-0.
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