«(…)
O exército era composto por um total de cento e dezassete mil homens, organizados
da seguinte forma: juntou-se, num mesmo espaço, dez mil fazendo-se com que se
apertassem tanto quanto pudessem, traçou-se, depois, um círculo em redor. Fez-se,
então, sair as tropas e rodeou-se este círculo de uma muralha até à altura da
cintura. Finalizada a obra, fez-se entrar outras tropas no recinto e depois
outras até que estavam todas contabilizadas. Terminada a contagem, foram
agrupados por nação. O número de barcos era de 1207. Os Persas, os Medos e os
Sardos combatiam todos nestes barcos, sendo os melhores veleiros fenícios, principalmente
os de Sídon.
Enquanto
os Gregos partiram com rapidez em auxílio dos lugares em perigo, os habitantes
de Delfos, preocupados com eles e com os Gregos, consultaram os deuses. A Pítia
disse-lhes para dirigirem as suas orações aos ventos, que seriam os poderosos
defensores da Grécia. Mal receberam esta resposta, deram-na a conhecer a todos
aqueles que, entre os Gregos, eram amantes zelosos da liberdade, e, dado que
temiam bastante o rei Xerxes, obtiveram pelos seus feitos o reconhecimento
imortal. Os habitantes de Delfos erigiram, em seguida, um altar em honra dos
ventos, em Tuia, no local consagrado a Tuia, filha do deus-rio Cefiso, que deu
o nome a esta província, e ofereceram-lhe sacrifícios.
A armada
persa, tendo acostado nas margens da Magnésia, situada entre a cidade de
Castânia e a costa de Sépias, fez alinhar os primeiros navios em direcção a
terra e os restantes lançaram a âncora, perto destes. Como a margem não era,
com efeito, suficientemente grande para uma frota tão numerosa, colocaram-se ao
lado uns dos outros, com a proa voltada para o mar. E assim passaram a noite.
No dia seguinte, mal o Sol nasceu, e depois de um tempo sereno e de grande
calmaria, o mar agitou-se levantou-se uma violenta tempestade, com um vento de
nordeste que os habitantes das costas vizinhas chamavam de Helospontia (vento de
Helosponto). Aqueles que se aperceberam de que o vento aumentava de
intensidade e cujos navios estavam ancorados previram a tempestade e salvaram-se,
bem como o seus barcos, levando-os para terra. Quanto àqueles que o vento
surpreendeu em alto mar foram atirados contra as encostas do monte Pindo,
chamado de Ipnes (Fornos);
outros contra as margens, alguns despedaçaram-se no promontório de Sépias, outros
foram arrastados para a cidade de Melibeia, outros até Castânia, de tal
forma a tempestade foi violenta.
Diz-se
que um oráculo informara os atenienses para pedirem a ajuda do seu genro.
Obedecendo a esta ordem, dirigiram as suas orações a Bóreas, que, segundo a
tradição grega, casou com uma ateniense de nome Oritia filha do rei Erecteu.
Foi esta aliança, diz-se, que levou os atenienses a concluírem que Bóreas era
seu genro. Assim, enquanto estavam com os seus barcos a observar o inimigo em
Eubeia, logo que se aperceberam de que a tempestade aumentaria, ou, mesmo antes
disso, fizeram sacrifícios em honra de Bóreas e de Oritia e suplicaram-lhes com
insistência a sua ajuda e a destruição dos barcos bárbaros, tal como já
ocorrera antes perto do monte Atos. Se foi em atenção às suas súplicas que
Bóreas atingiu com violência a frota dos bárbaros, isso não posso dizer mas os
atenienses afirmavam que Bóreas, que já antes os havia socorrido, veio de novo
em seu auxílio naquela ocasião. Assim, logo que chegaram ao seu país, ergueram em
sua honra uma capela nas margens do Ilisso.
Afundaram-se
nesta tempestade quatrocentos barcos, segundo a estimativa mais baixa.
Perdeu-se, também, um número incontável de homens com riquezas imensas. Os
comandantes da frota, temendo que os habitantes de Tessália se aproveitassem
deste desastre para os atacarem, fortificaram-se dentro de uma alta paliçada
feita com os restos dos barcos, já que a tempestade durou três dias. Por fim,
os sacerdotes conseguiram apaziguá-la ao quarto dia, imolando vítimas ao vento,
com cerimónias mágicas em sua honra, ou através de sacrifícios em honra de
Tétis e das Nereidas, ou talvez ela se tenha acalmado a si própria». In
Zurcher Margollé, Naufrágio da Frota de Xerxes, 1997, tradução de Sara
Travassos, Editorial Inquérito, 2003, ISBN 972-670-398-0.
Cortesia
de EInquérito/JDACT