sexta-feira, 1 de maio de 2015

História do Pudor. Jean-Claude Bologne. «São as autoridades que condenam os banhos nus, fecham os bordéis, regulamentam os gestos permitidos e os proibidos. Fácil é ver nesta oposição o resultado de tão diferente educação artística e do acesso ao segundo grau, que oculta…»

jdact e wikipedia

Pudores individual e social.
«(…) Francamente paradoxal, por fim: uma mulher nua no século XVII pode ser mais púdica que uma mulher vestida. Paradoxo aparente, uma vez que o pudor feminino é então natural. Desde Plutarco que se repete que a mulher, quando tira a camisa, veste o pudor. Num Dialogue de la mode et de la nature de 1662, esta última acusa a sua interlocutora de ter tornado as mulheres de tal modo imperiosas e afectadas que nelas já se não reconhece qualquer traço de pudor. A afectação das preciosas, as mosquinhas, os ricos tecidos parecem muitas vezes mais perigosos que um decote um pouco audacioso. Tais as principais ciladas a evitar quando se quer fazer a história de um sentimento e não de uma palavra. Quando se lida com uma realidade por vezes confusamente sentida, há que preservar-lhe a espontaneidade, definindo-lhe rigorosamente o alcance.

Origens do pudor
A história de um sentimento só pode ser feita através da história de atitudes e de comportamentos. Mas estes são muitas vezes ambíguos. Deveremos pois penetrar previamente, para além do gesto e da reacção visíveis, nas motivações e nas mentalidades que lhes estão subjacentes. Na origem de comportamentos púdicos encontram-se muitas vezes realidades sociológicas que escapam à história. Assim, através dos séculos, registam-se pudores de classe social. As classes populares são em geral hostis ao nu artístico. As esculturas do Renascimento, florescem as de Miguel Ângelo, encontraram mais hostilidade junto do povo que entre as autoridades civis ou religiosas e vão ter que ser vestidas para serem expostas em fontanários ou praças públicas. No século XVIII, são os pequeno-burgueses quem mais se perturba com as pinturas indiscretas dos artistas da corte. Napoleão III exige que sejam expostas num Salão dos Rejeitados as obras censuradas pelo pudibundo júri do salão oficial e, ainda hoje, a censura popular é bem mais severa para com os filmes ousados do que a tesoura de Anastasia.
Inversamente, as classes dominantes, aristocracia e depois burguesia, mostram-se hostis ao nu quotidiano. São as autoridades que condenam os banhos nus, fecham os bordéis, regulamentam os gestos permitidos e os proibidos. Fácil é ver nesta oposição o resultado de tão diferente educação artística e do acesso ao segundo grau, que oculta com uma aura artística a mais provocatória nudez. A nudez de primeiro grau, a que o homem da rua adere com mais facilidade, sendo facilmente vulgar àqueles que se gabam de a ter ultrapassado. Em todas as épocas, enfim, a marginalidade fala a linguagem da nudez. A provocação é obra dos heréticos nos séculos de absolutismo religioso: adamitas, abelitas, turlupianos, abandonam a roupa e a religião oficial. Nos séculos da moral burguesa, os artistas, os hippies recebem o testemunho; num mundo cada vez mais industrializado, os naturistas confundem nudez com retorno à natureza. A história da nudez voluntária não interessa ao pudor, não mais que essa outra forma de meter entre parênteses o nu que é a arte erótica. Para o estudo, atenderei apenas às mentalidades partilhadas pelo maior número de pessoas, o que não impede que se consagre um apêndice aos principais movimentos nudishs que atravessaram a história». In Jean-Claude Bologne, Histoire de la pudeur, Olivier Orban, 1986, História do Pudor, Editorial Teorema, Círculo de Leitores, 1996, ISBN 972-42-1374-9.

Cortesia de CL/JDACT