domingo, 10 de maio de 2015

Sombras na Lama. Fernando Baralba. «Poesia sem sofrimento não tem alma, poesia sem sangue não tem cor, poesia sem esperança não tem calma, poesia, é a vida, é muita dor»

jdact e wikipedia

Vagueando
«Vejo um barco a navegar,
em sanhudas águas, na serra,
gigânticas árvores em guerra,
esqueletos do triste luar.

Lá longe, lá muito longe,
tão longe que não se vê,
um certo cego que lê
invisível livro de monge.

No silêncio um pássaro canta,
em floresta sem verdura;
árvores que são serradura,
São carne que o homem espanta.

Bebe-se o sangue dos nossos,
em orgias outonais;
come-se a carne dos mais,
com facas dos próprios ossos.

Lágrimas de álgidos prantos,
nos rostos de muita gente,
e o resto feliz, contente,
inferno p'ra muitos santos.

Dores terríveis que passeiam,
outras dores menores esquecem,
frio, que entes não aquecem,
são corpos que p’la morte anseiam.


Olhares que ferem, que matam,
bífidas e agudas lanças,
aniquiladores de esperanças,
sóis que o asfalto dilatam.

Imagem dum deus, distante,
barco esquecido no rio,
sol invernal, no Estio,
sombras em alma ofuscante.

Guerra de anjos, de santos,
num inferno de lisonja,
em cada canto, uma esponja,
podridão em rotos mantos».
[…]
Poema de Fernando Baralba, in ‘Sombras na Lama

JDACT