Dos
primeiros anos aos anos de fogo
«Filho
mais novo de Afonso II e de dona Urraca, filha de Afonso VIII de Castela, o
infante Fernando nasceu na vila de Santarém, poucos meses antes de Fevereiro de
1218, altura em que começa a surgir
referido, como era habitual, na documentação régia. Tendo perdido a sua mãe
quando tinha somente dois anos e o pai três anos depois, a criação de Fernando é feita à sombra do rei seu
irmão Sancho II e na constante presença deste, o que parece explicar a grande proximidade
existente entre ambos. Esse relacionamento ter-se-á certamente estreitado
depois da saída do reino, talvez em 1229,
do seu irmão Afonso, para França, onde seria educado pela sua tia Branca de
Castela e, sobretudo, após a partida de sua irmã Leonor, pela mesma altura,
para a Dinamarca, onde casou, em 1229,
com o rei Valdemar, e que até então, admitimos, deve ter exercido um papel
quase maternal junto do jovem Fernando,
relativamente ao qual seria mais velha sete anos. Desconhece-se, no entanto,
quem esteve, de facto, encarregado da sua educação, mas foi seguramente, como
era prática corrente, um membro da nobreza cortesã a prepará-lo, como seria de
esperar de um infante, para que viesse a converter-se num guerreiro. Chegado à
idade de róbora, os 14
anos, em 1232 e sem que se
percebam em toda a extensão os motivos dessa atitude, Fernando terá reclamado a
parte que lhe cabia da herança de seu pai e que este havia \estipulado que
deveria ser repartida em partes iguais pelos filhos. Porém, o irmão Sancho II
tê-lo-á calado mercê a entrega, ou apenas com a promessa do seu pagamento, de
uma avultada soma de dinheiro. Mas não era apenas através dessa quantia que o
rei procurava afastar o seu irmão mais novo da herança de Afonso II.
É
também com esse objectivo que, antes de 1235,
lhe faz a entrega do castelo e senhorio de Serpa, conquistados no âmbito da
ofensiva de 1232, conduzida pelas
forças da Ordem do Hospital e durante a qual tombou igualmente a vizinha
praça-forte de Moura. Trata-se, como sublinha Hermenegildo Fernandes, de uma
doação que parece revelar uma atitude cautelosa por parte do monarca. De facto,
ao doar-lhe um senhorio periférico, Sancho II afastava-o dos grandes centros
urbanos do reino (Lisboa e Coimbra), bem como dos principais eixos viários que os
ligavam. Ainda assim, tratava-se de um território de grande importância
estratégica, não só pela sua posição fronteiriça, mas também porque permitia um
controlo eficaz do Guadiana e dos territórios da margem esquerda desse rio, cujos
direitos de conquista Portugal reclamava. Embora pressionado a norte pelo vasto
termo de Évora e pelos domínios da Ordem de Avis, a oeste pelo avanço das
forças santiaguistas e a leste novamente pelos Espatários, mas também pelas
hostes castelhano-leonesas, Fernando
tinha a sul de Serpa um imenso território que permanecia ainda em mãos
muçulmanas e que se convertia, assim, na zona
natural de expansão do seu senhorio. Era para aí que o rei esperava poder
canalizar toda a agressividade do infante. Porém, tudo indica que as campanhas
militares que dele eram esperadas e para as quais havia sido preparado durante
a sua ainda curta vida nunca foram concretizadas. Os motivos não os sabemos ao
certo, embora o próprio Fernando
venha a insinuar, mais tarde, que tal se deveu a uma manifesta falta de
motivação dos cavaleiros que supostamente o deveriam seguir e que não viam,
como outrora, a fronteira como um local atractivo e pleno de oportunidades de
enriquecimento e de prestígio. Aliás, não era apenas o infante que, por essa
altura, renunciava à Reconquista. De facto, também as grandes campanhas
ofensivas, como as dos reinados anteriores, haviam praticamente cessado depois
da conquista de Alcácer, em 1217.
Ainda
assim, é possível, como adianta Armando Sousa Pereira, que o infante Fernando
tenha levado a cabo uma ou outra razia depredatória contra território inimigo,
podendo também ter tomado parte, por exemplo, na conquista de Aljustrel,
levada a cabo pela Ordem de Santiago em 1234.
Contudo, por se tratar ainda de um jovem, é provável que a sua intervenção
nesses episódios não tenha ido além de um eventual comando nominal da sua
mesnada, ou mesmo de uma participação, como era corrente com combatentes menos
experientes, na qualidade de mero observador». In Miguel Gomes Martins,
Guerreiros Medievais Portugueses, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2013, ISBN
978-989-626-486-4.
Cortesia
Esfera dos Livros/JDACT