quinta-feira, 28 de maio de 2015

Infante Fernando. Senhor de Serpa. Miguel G. Martins. «Chegado à idade de ‘róbora’, os 14 anos, em 1232 e sem que se percebam em toda a extensão os motivos dessa atitude, Fernando terá reclamado a parte que lhe cabia da herança de seu pai…»

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Dos primeiros anos aos anos de fogo
«Filho mais novo de Afonso II e de dona Urraca, filha de Afonso VIII de Castela, o infante Fernando nasceu na vila de Santarém, poucos meses antes de Fevereiro de 1218, altura em que começa a surgir referido, como era habitual, na documentação régia. Tendo perdido a sua mãe quando tinha somente dois anos e o pai três anos depois, a criação de Fernando é feita à sombra do rei seu irmão Sancho II e na constante presença deste, o que parece explicar a grande proximidade existente entre ambos. Esse relacionamento ter-se-á certamente estreitado depois da saída do reino, talvez em 1229, do seu irmão Afonso, para França, onde seria educado pela sua tia Branca de Castela e, sobretudo, após a partida de sua irmã Leonor, pela mesma altura, para a Dinamarca, onde casou, em 1229, com o rei Valdemar, e que até então, admitimos, deve ter exercido um papel quase maternal junto do jovem Fernando, relativamente ao qual seria mais velha sete anos. Desconhece-se, no entanto, quem esteve, de facto, encarregado da sua educação, mas foi seguramente, como era prática corrente, um membro da nobreza cortesã a prepará-lo, como seria de esperar de um infante, para que viesse a converter-se num guerreiro. Chegado à idade de róbora, os 14 anos, em 1232 e sem que se percebam em toda a extensão os motivos dessa atitude, Fernando terá reclamado a parte que lhe cabia da herança de seu pai e que este havia \estipulado que deveria ser repartida em partes iguais pelos filhos. Porém, o irmão Sancho II tê-lo-á calado mercê a entrega, ou apenas com a promessa do seu pagamento, de uma avultada soma de dinheiro. Mas não era apenas através dessa quantia que o rei procurava afastar o seu irmão mais novo da herança de Afonso II.
É também com esse objectivo que, antes de 1235, lhe faz a entrega do castelo e senhorio de Serpa, conquistados no âmbito da ofensiva de 1232, conduzida pelas forças da Ordem do Hospital e durante a qual tombou igualmente a vizinha praça-forte de Moura. Trata-se, como sublinha Hermenegildo Fernandes, de uma doação que parece revelar uma atitude cautelosa por parte do monarca. De facto, ao doar-lhe um senhorio periférico, Sancho II afastava-o dos grandes centros urbanos do reino (Lisboa e Coimbra), bem como dos principais eixos viários que os ligavam. Ainda assim, tratava-se de um território de grande importância estratégica, não só pela sua posição fronteiriça, mas também porque permitia um controlo eficaz do Guadiana e dos territórios da margem esquerda desse rio, cujos direitos de conquista Portugal reclamava. Embora pressionado a norte pelo vasto termo de Évora e pelos domínios da Ordem de Avis, a oeste pelo avanço das forças santiaguistas e a leste novamente pelos Espatários, mas também pelas hostes castelhano-leonesas, Fernando tinha a sul de Serpa um imenso território que permanecia ainda em mãos muçulmanas e que se convertia, assim, na zona natural de expansão do seu senhorio. Era para aí que o rei esperava poder canalizar toda a agressividade do infante. Porém, tudo indica que as campanhas militares que dele eram esperadas e para as quais havia sido preparado durante a sua ainda curta vida nunca foram concretizadas. Os motivos não os sabemos ao certo, embora o próprio Fernando venha a insinuar, mais tarde, que tal se deveu a uma manifesta falta de motivação dos cavaleiros que supostamente o deveriam seguir e que não viam, como outrora, a fronteira como um local atractivo e pleno de oportunidades de enriquecimento e de prestígio. Aliás, não era apenas o infante que, por essa altura, renunciava à Reconquista. De facto, também as grandes campanhas ofensivas, como as dos reinados anteriores, haviam praticamente cessado depois da conquista de Alcácer, em 1217.
Ainda assim, é possível, como adianta Armando Sousa Pereira, que o infante Fernando tenha levado a cabo uma ou outra razia depredatória contra território inimigo, podendo também ter tomado parte, por exemplo, na conquista de Aljustrel, levada a cabo pela Ordem de Santiago em 1234. Contudo, por se tratar ainda de um jovem, é provável que a sua intervenção nesses episódios não tenha ido além de um eventual comando nominal da sua mesnada, ou mesmo de uma participação, como era corrente com combatentes menos experientes, na qualidade de mero observador». In Miguel Gomes Martins, Guerreiros Medievais Portugueses, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2013, ISBN 978-989-626-486-4.

Cortesia Esfera dos Livros/JDACT