Metida no Mosteiro de Santa Domingo de Toledo
«(…) A 2 de Abril de 1446,o
rei castelhano deu finalmente o braço a torcer e concedeu procuração, em língua
portuguesa, a García Sánchez Valladollid, escrivão do monarca, para que em seu
nome tratasse do casamento com a ilustre
e inclita infanta dona Isabel. Era a primeira vez que, num documento
oficial, a futura mãe de Isabel, a Católica
recebia o tratamento de infanta, que em rigor não lhe correspondia. Muito
provavelmente, o regresso da infanta Joana a Portugal ficou resolvido uma
semana mais tarde, em Évora, quando o seu irmão Afonso V por conselho do tio, o
regente Pedro, assinou o contrato do matrimónio da sua prima, a jllustre e alta esclarecida primçesa dona
Jsabel (um novo salto hierárquico), com o rei de Castela. Mas seria
preciso ainda algum tempo para Joana deixar o mosteiro onde a tinham confinado.
Antes, tinham de ser cumpridas quase todas as cláusulas do contrato matrimonial
da sua prima, assinado pelo irmão. O documento dedicava várias páginas a
explicar que os quarenta e cinco mil florins de ouro do dote da noiva, cunhados
em Aragão, correspondiam, na realidade, ao cancelamento da dívida contraída
pelo rei de Castela com Portugal, pouco antes da batalha de Olmedo, pela contratação
das forças militares que o dito rrey
de Castella, nosso tio, nos emuiou rougar que lhe enmuiassemos. Contam
as crónicas portuguesas que a prometida chegara a Évora acompanhada da mãe,
Isabel de Barcelos, e de dona Beatriz, irmã da dita princesa, futura duquesa
de Viseu. Nessa cidade, no dia 15 de Outubro a infanta Isabel acabaria por renunciar à herança da avó, formada, em
parte, por alguns bens expropriados, depois de Aljubarrota, ao almoxarife judeu
da rainha Leonor Teles, muito provavelmente pertencente à mesma linhagem que a
de um futuro administrador das rendas da rainha dona Joana em Castela.
Rui Pina afirma que desse matrimónio se seguiu a este Reyno pouca despesa, porque na realidade não se
pagou dote. No entanto, noutro aspecto, as cláusulas matrimoniais de Isabel
foram muito menos vantajosas do que as que seriam concedidas a Joana, infanta
de nascimento, filha e irmã de rei. Não obstante, mantinha-se que Isabel tinha a liberdade de escolher (...) o pessoal
feminino que a haveria de servir, num primeiro momento tratar-se-ia de
portugueses, e após um ano em Espanha ela própria faria as nomeações dos seus
oficiais portugueses e castelhanos. Na realidade, a dona Isabel de Portugal,
como seria conhecida em Castela a partir de então esta infanta, foi-lhe permitido levar uma dama e quatro ou cinco
donzelas, na sua maior parte jovens descendentes de linhagens lisboetas de origem
burguesa, que tinham ascendido à condição nobre havia poucas gerações. As excepções,
até onde é possível conhecer a genealogia dessas mulheres, foram Inês e Clara
de Alvarnaes (sic), mãe e
filha, que as fontes castelhanas apresentam como descendentes de Santo António
de Lisboa. Informação que não aparece em nenhum documento português, se bem
que haja registo de que já no século XIV essa linhagem possuía uma capela na Sé
lisboeta, perto da escola (ou casa) relacionada pela tradição com o santo. O
certo é que, quando nasceu a infanta Joana, os Alvernazes (sic) já eram considerados uma das famílias mais
antigas de Lisboa, a única, de entre as que se tinham oposto à subida ao
trono do mestre de Avis, a conseguir reincorporar-se na elite da cidade.
A terceira donzela de Isabel de origem certamente nobre era Beatriz Silva,
filha de Rui Gomes Silva, alcaide de Campo Maior e tio da toledana María Silva,
a protectora da rainha dona Leonor. Quanto às restantes donzelas da casa de
Isabel, apenas o apelido de algumas delas permite especular que eram de origem
portuguesa. No mesmo dia em foi assinado o contrato matrimonial da mãe da futura
Isabel, a Católica foram também
rubricadas as cláusulas do matrimónio da irmã da noiva, Beatriz, com o irmão
do rei Afonso, o príncipe Fernando, que herdaria o título de duque de Viseu
aquando da morte do seu tio, o infante Henrique. Mas nem mesmo estes acordos
permitiriam que a infanta Joana deixasse o mosteiro toledano de imediato. Foi
necessário esperar até que fossem celebrados os esponsais, (segundo alguns documentos, matrimónio por procuração)
da prima de dona Joana com o rei de Castela, os quais tiveram lugar em Maio de 1447, em Alcáçovas, na presença de Afonso
V. De acordo com as crónicas lusas, o casamento
de dona Isabel de Portugal com o rei de Castela foi muito celebrado em Lisboa,
aonde a corte se deslocou depois do enlace. Rui Pina destaca a riqueza dos festejos
sem os descrever, aludindo à presença de todollos
Senhores e pessoas principales do Reino». In A Rainha Adúltera, Joana de
Portugal e o Enigma da Excelente Senhora, Crónica de uma difamação anunciada,
Marsilio Cassotti, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-405-5.
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