segunda-feira, 4 de maio de 2015

Naufrágio da Frota de Xerxes. Zurcher Margollé. «Enquanto viajava o Sol abandonou o seu lugar no céu e desapareceu, apesar de não haver qualquer nuvem, e, assim, a noite tomou o lugar do dia. Xerxes, preocupado com este prodígio, consultou os adivinhos…»

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«Enquanto Xerxes se preparava para partir para Abidos, trabalhava-se na construção das pontes sobre Helosponto (nome antigo atribuído ao actual estreito de Dardanelos, uma passagem entre o mar Egeu e o mar Negro, através do mar de Mármara, e que constitui, ainda hoje, uma posição estratégica; Xerxes conseguiu atravessá-lo em 480 a. C.), para que fosse possível a passagem da Ásia para a Europa. Os responsáveis pela sua construção iniciaram-nas do lado de Abidos e continuaram-nas até à encosta extremamente austera que, do outro lado, penetra no mar. Naquele tempo os Fenícios prendiam os barcos com cordas em linho e os Egípcios utilizavam, para o mesmo efeito, cordas de fibra de cortiça de Biblos (nome grego para a cidade fenícia de Gebal hoje Djebail, ao norte de Beirute). Ora, desde Abidos até à costa oposta, a distância corresponde a sete estádios. Assim que estas pontes foram dadas por terminadas, levantou-se uma terrível tempestade, que rebentou as cordas e despedaçou os barcos.
Quando soube da notícia, Xerxes, indignado e encolerizado, ordenou que, em Helosponto, fossem dadas trezentas chicotadas e que fossem derrubadas um par de videiras. Ouvi dizer que ele enviou, juntamente com os executores da ordem, pessoas para marcar com um ferro em brasa as águas. Castigou desta forma o mar e mandou cortar a cabeça daqueles que haviam presidido à construção das pontes. Assim que as suas bárbaras ordens foram executadas outros mestres-de-obras foram incumbidos da mesma construção. Eis como eles a levaram a cabo: ligaram, de um lado, trezentos e sessenta barcos de cinquenta remos e trirremes e, do outro trezentos e catorze. Os primeiros apresentavam-se pelo costado no Ponto Euxino (em grego Euxeinos Pontos, ou seja, mar hospitaleiro, antítese que, na Antiguidade, nomeava o mar Negro, devido à existência de nevoeiros que dificultavam extremamente a navegação) e os outros, do lado de Helosponto, colocaram-se ao sabor da corrente, para que as cordas se mantivessem ainda mais esticadas. Os navios assim dispostos, do lado do ponto Euxino, lançaram grossas âncoras, a fim de resistirem aos ventos que, vindos do Sul e do Sueste, sopravam neste mar a partir do Ocidente e do mar Egeu.
Deixaram também, em três locais diferentes, uma passagem livre entre os barcos de cinquenta remos, para as pequenas embarcações que quisessem entrar ou sair do Ponto Euxino. Terminado este trabalho, esticaram-se os cabos, em terra, com a ajuda de carros de bois. Não utilizaram cordas simples, como da primeira vez, mas entrelaçaram cordames de linho, dois a dois, com cortiça de Biblos, quatro a quatro. Terminada a ponte, serraram-se grandes toros de madeira, que foram colocados seguindo o comprimento da ponte, ao lado uns dos outros, sobre cabos bem esticados. Foram então unidos e, uma vez feito isto, colocaram-se por baixo tábuas, juntas umas às outras, que depois foram cobertas por terra, posteriormente aplanada. Após a conclusão deste trabalho, colocou-se uma barreira de cada lado, por se temer que os cavalos ou outros animais se assustassem ao verem o mar. Terminadas as pontes, bem como os diques construídos na foz do canal do monte Atos (este canal, aberto no istmo que liga o monte Atos ao continente, para favorecer a passagem da frota de Xerxes, havia sido escavado por destacamentos de todos os corpos da armada persa, forçados ao trabalho pelo chicote), a fim de impedir que a corrente tapasse a entrada, enviou-se a notícia a Sardes, e Xerxes iniciou a sua viagem. Enquanto viajava o Sol abandonou o seu lugar no céu e desapareceu, apesar de não haver qualquer nuvem, e, assim, a noite tomou o lugar do dia. Xerxes, preocupado com este prodígio, consultou os adivinhos sobre o seu significado. Estes disseram-lhe que Deus pressagiava a ruína das cidades gregas, pois o Sol anunciava o futuro a esta nação e a Lua à sua. Xerxes, seduzido por esta resposta, prosseguiu viagem.
No mesmo dia em que chegaram a Abido, os persas prepararam-se para atravessar a ponte. No dia seguinte, enquanto esperavam um pouco para ver o Sol nascer queimaram todo o tipo de perfumes sobre a ponte, e o caminho foi coberto de murta. Assim que apareceu, Xerxes fez libações no mar, com uma taça em ouro, e pediu ao Sol que afastasse todos os problemas que pudessem impedi-lo de subjugar a Europa antes de ele se pôr. Concluída a oração, lançou a taça no Helosponto com um vaso em ouro e um sabre, segundo o costume persa. Não me consegui decidir se, ao lançar estes objectos ao mar, ele fazia uma oferta ao Sol ou se, arrependido por ter mandado fustigar o Helosponto, procurava apaziguá-lo com estas ofertas». In Zurcher Margollé, Naufrágio da Frota de Xerxes, 1997, tradução de Sara Travassos, Editorial Inquérito, 2003, ISBN 972-670-398-0.


Cortesia de EInquérito/JDACT