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O embalsamamento pré-tumular foi regularmente praticado nos reis da dinastia de
Bragança a partir do século XVIII, procedendo-se, nalguns casos, ao
concomitante estudo necrótico. Infelizmente, os raros relatórios de autópsia
que chegaram aos nossos dias constituem, salvo raríssimas exceções, meros
exercícios de anatomia básica, estruturados de forma empírica, não permitindo
obter conclusões substantivas sobre as entidades nosológicas subjacentes. As
primeiras décadas do século XX foram férteis em estudos nosográficos de
personagens régias das quatro dinastias.
Ricardo
Jorge dissertou sobre o óbito de João II, Pires Lima sobre a doença de Afonso
VI, Cabral Sacadura sobre o parto mortal de dona Maria II, Júlio Dantas sobre a
apoplexia de José I e, por último, Montalvão Machado arrisca um trabalho de
fôlego procurando aclarar as causas de morte da totalidade dos reis portugueses.
Embora provenientes de inquestionáveis figuras da medicina portuguesa, tais
estudos pecam, em regra, pelo excesso de certezas, em consonância com a postura
afirmativa que caracterizava o pensamento médico de então, convergindo,
invariavelmente, as hipóteses de diagnóstico nos grandes grupos nosológicos com
os quais os autores estavam mais familiarizados. Apesar de muitas destas
hipóteses apresentarem razoável credibilidade, jamais poderão ser subscritas com
carácter indiscutível, tendo em conta a subjectividade das fontes documentais,
quantas vezes produzidas por pessoas sem qualquer formação clínica, e não raro
orientadas por nexos de causalidade estranhos à medicina científica.
Não
se pretende, no presente texto, sugerir diagnósticos definitivos a partir da
documentação estudada e apresentada. Se alguns relatos poderão ser elucidativos
quanto à etiologia de determinado quadro clínico, outros são suficientemente latos
para suscitar múltiplas conjecturas diagnósticas. O estudo da doença e das
mortes na dinastia de Bragança, que teve a pretensão ser exaustivo, visa, acima
de tudo, proporcionar uma perspectiva evolutiva do conhecimento médico em
Portugal no decurso de um amplo período histórico, crucial para a história da ciência
no mundo ocidental, que se estende desde o pré-iluminismo até à idade moderna.
João
IV, o Restaurador (1604-1656). Reinou de 1640 a 1656
Nascido
duque de Bragança, em 1604, em plena
ocupação filipina, deve o seu reinado, tal como João I, à conjuntura histórico-política
do seu tempo. Herdeiro da mais opulenta casa senhorial portuguesa, a Casa de
Bragança, estava João destinado a
governar um domínio único em património e privilégios, que embora sedeado em
Vila Viçosa, abarcava um terço das terras do reino. O seu quotidiano pacato
decorria entre a gestão dos bens patrimoniais, as caçadas, os ofícios
religiosos e a música, que cultivou com paixão e mestria. Mesmo vivendo longe
do círculo aristocrático da corte, e apesar de pouco propenso ao estudo das letras,
recebeu de seu aio, Diogo Melo, esmerada educação. Com Jerónimo Soares aprendeu
latim e teologia, e com o súbdito inglês Robert Tornar, que seu pai contratara
para mestre da capela de Vila Viçosa, estudou composição musical.
João vivendo tranquilamente no recato
do seu couto, não era alheio ao ambiente político do tempo, marcado pela
dominação espanhola do reino de Portugal, na pessoa de Filipe IV de Espanha
(III de Portugal). A defesa do seu imenso património, potencialmente ameaçado
pela soberania estrangeira, constituía uma preocupação legítima, já herdada de
seu pai, o duque Teodósio, falecido em 1630.
O contrato de casamento do duque de Bragança, futuro João IV, com dona Luísa
Gusmão, oriunda do ducado andaluz de Medina-Sidónia, em 1633,constituiu um estratégico acordo entre partes, importante para
Filipe IV, que assim pensava segurar a fidelidade dos poderosos Braganças, e
apelativo para João que esperava
manter os seus ancestrais privilégios, no seio da monarquia ibérica. Na mesma óptica
aproximativa, Filipe IV, através do seu valido conde-duque de Olivares, parente
de dona Luísa Gusmão, foi-se insinuando junto do duque de Bragança, incumbindo-lhe
missões pacificadoras junto de alguma nobreza alentejana descontente com a
carga fiscal imposta por Castela, e nomeando-o, menos de dois anos antes do 1º
de Dezembro, Governador-Geral das Armas de Portugal». In José Barata, A Doença e as
Mortes dos Reis e Rainhas na Dinastia de Bragança, Verso da Kapa, Lisboa, 2012,
ISBN 978-989-840-654-5.
Cortesia
de Verso Kapa/JDACT