domingo, 10 de maio de 2015

A Doença e as Mortes dos Reis e Rainhas na Dinastia de Bragança. José Barata. «João vivendo tranquilamente no recato do seu couto, não era alheio ao ambiente político do tempo, marcado pela dominação espanhola do reino de Portugal, na pessoa de Filipe IV de Espanha (III de Portugal). A defesa do seu imenso património…»

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«(…) O embalsamamento pré-tumular foi regularmente praticado nos reis da dinastia de Bragança a partir do século XVIII, procedendo-se, nalguns casos, ao concomitante estudo necrótico. Infelizmente, os raros relatórios de autópsia que chegaram aos nossos dias constituem, salvo raríssimas exceções, meros exercícios de anatomia básica, estruturados de forma empírica, não permitindo obter conclusões substantivas sobre as entidades nosológicas subjacentes. As primeiras décadas do século XX foram férteis em estudos nosográficos de personagens régias das quatro dinastias.
Ricardo Jorge dissertou sobre o óbito de João II, Pires Lima sobre a doença de Afonso VI, Cabral Sacadura sobre o parto mortal de dona Maria II, Júlio Dantas sobre a apoplexia de José I e, por último, Montalvão Machado arrisca um trabalho de fôlego procurando aclarar as causas de morte da totalidade dos reis portugueses. Embora provenientes de inquestionáveis figuras da medicina portuguesa, tais estudos pecam, em regra, pelo excesso de certezas, em consonância com a postura afirmativa que caracterizava o pensamento médico de então, convergindo, invariavelmente, as hipóteses de diagnóstico nos grandes grupos nosológicos com os quais os autores estavam mais familiarizados. Apesar de muitas destas hipóteses apresentarem razoável credibilidade, jamais poderão ser subscritas com carácter indiscutível, tendo em conta a subjectividade das fontes documentais, quantas vezes produzidas por pessoas sem qualquer formação clínica, e não raro orientadas por nexos de causalidade estranhos à medicina científica.
Não se pretende, no presente texto, sugerir diagnósticos definitivos a partir da documentação estudada e apresentada. Se alguns relatos poderão ser elucidativos quanto à etiologia de determinado quadro clínico, outros são suficientemente latos para suscitar múltiplas conjecturas diagnósticas. O estudo da doença e das mortes na dinastia de Bragança, que teve a pretensão ser exaustivo, visa, acima de tudo, proporcionar uma perspectiva evolutiva do conhecimento médico em Portugal no decurso de um amplo período histórico, crucial para a história da ciência no mundo ocidental, que se estende desde o pré-iluminismo até à idade moderna.

João IV, o Restaurador (1604-1656). Reinou de 1640 a 1656
Nascido duque de Bragança, em 1604, em plena ocupação filipina, deve o seu reinado, tal como João I, à conjuntura histórico-política do seu tempo. Herdeiro da mais opulenta casa senhorial portuguesa, a Casa de Bragança, estava João destinado a governar um domínio único em património e privilégios, que embora sedeado em Vila Viçosa, abarcava um terço das terras do reino. O seu quotidiano pacato decorria entre a gestão dos bens patrimoniais, as caçadas, os ofícios religiosos e a música, que cultivou com paixão e mestria. Mesmo vivendo longe do círculo aristocrático da corte, e apesar de pouco propenso ao estudo das letras, recebeu de seu aio, Diogo Melo, esmerada educação. Com Jerónimo Soares aprendeu latim e teologia, e com o súbdito inglês Robert Tornar, que seu pai contratara para mestre da capela de Vila Viçosa, estudou composição musical.
João vivendo tranquilamente no recato do seu couto, não era alheio ao ambiente político do tempo, marcado pela dominação espanhola do reino de Portugal, na pessoa de Filipe IV de Espanha (III de Portugal). A defesa do seu imenso património, potencialmente ameaçado pela soberania estrangeira, constituía uma preocupação legítima, já herdada de seu pai, o duque Teodósio, falecido em 1630. O contrato de casamento do duque de Bragança, futuro João IV, com dona Luísa Gusmão, oriunda do ducado andaluz de Medina-Sidónia, em 1633,constituiu um estratégico acordo entre partes, importante para Filipe IV, que assim pensava segurar a fidelidade dos poderosos Braganças, e apelativo para João que esperava manter os seus ancestrais privilégios, no seio da monarquia ibérica. Na mesma óptica aproximativa, Filipe IV, através do seu valido conde-duque de Olivares, parente de dona Luísa Gusmão, foi-se insinuando junto do duque de Bragança, incumbindo-lhe missões pacificadoras junto de alguma nobreza alentejana descontente com a carga fiscal imposta por Castela, e nomeando-o, menos de dois anos antes do 1º de Dezembro, Governador-Geral das Armas de Portugal». In José Barata, A Doença e as Mortes dos Reis e Rainhas na Dinastia de Bragança, Verso da Kapa, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-840-654-5.

Cortesia de Verso Kapa/JDACT