História do ministro do Centro Takafuji
«(…) A mansão de Iyamasu foi transformada em templo e é hoje o templo
de Kanju -ji, E em frente, no sopé dos montes Higashi-yama, a esposa de
Takafuji mandou construir outro templo, o Oyakedera. Segundo parece, o imperador
Daigo gostava muito do local onde o avô tinha vivido, porque mandou construir o
seu túmulo nas proximidades. Pensando bem, se o acaso de um abrigo contra a tempestade
durante uma caçada provocou tantos acontecimentos felizes, é porque tudo isso
já tinha sido predeterminado pelas existências anteriores. E assim dizem que tudo
isto foi contado.
Como a senhora Roku no Miya foi abandonada pelo marido
Já são coisas do passado. No bairro conhecido por Roku no Miya vivia o
assessor principal, fulano de tal, do
Departamento da Guerra. Filho de um príncipe há muito esquecido, era uma
personagem muito requintada, de modos antigos, que não procurava o convívio em
sociedade e não saía da residência de seu pai, o antigo príncipe. Todavia, da magnífica
mansão já só existia o pavilhão de leste, quase em ruínas, no vasto jardim de
altas e frondosas ramagens. Era lá que ele vivia. Embora já passasse dos
cinquenta anos, tinha uma filha que só tinha dez. Era encantadora: os seus longos
cabelos, a sua silhueta e as suas formas graciosas, tudo era de uma beleza perfeita.
De maneiras nobres, tinha um coração adorável. A sua beleza era tão deslumbrante
que ninguém estranharia se viesse a casar com um jovem da classe mais alta.
Sim, era muito bela, mas, como ninguém no mundo sabia, ninguém ia pedi-la em
casamento. E o pai, com aquela discrição de outros tempos, pensava: seja como for, não me compete a mim ir à
procura de um pretendente; se aparecer algum, dou-lha. Por vezes, pensava: Ah!
Se eu pudesse fazê-la entrar na corte como esposa de um príncipe ou do
mperador!. Mas como era muito pobre, nada disso era possível. O pai e a mãe
estavam tão preocupados com a filha que a obrigavam a dormir à noite no meio
deles, e davam-lhe toda a espécie de ensinamentos: não devia confiar na ama,
não tinha irmãos com quem pudesse contar... Assim, indescritivelmente
atormentados com o futuro dela, os pais já só podiam lamentar-se e chorar de
desespero.
Passado pouco tempo, o pai deixou este mundo efémero, e, pouco depois,
a mãe seguiu-lhe os passos. Que sofrimento deve ter sido para a menina! Chorava
de tristeza, inconsolável. Não há palavra que possa descrever a sua dor. Os
dias e as noites foram passando, sem ela notar, até que largou os trajos de
luto. Como os pais não se tinham cansado de lhe dizer que a ama não era digna
de confiança, não pôde criar intimidade com ela. Não podia fazer nada, e os
anos iam desaparecendo, e com eles o esplêndido mobiliário e a baixela
esplêndida que herdara dos pais, e que a ama vendeu ao desbarato. E a menina
viu-se na maior miséria e a sua vida passou a ser só tristeza. Um dia, a ama
disse-lhe: o meu irmão que é monge recebeu a visita do filho do ex-governador
da província de tal no que o
encarregou de interceder em seu favor. É um rapaz de cerca de vinte anos, muito
belo, distinto e sincero. O pai está actualmente na administração provincial,
mas era filho de um nobre da classe alta, portanto o rapaz é pessoa de boas
famílias. Ouviu falar da vossa beleza e propõe-vos casamento. Deixai-o vir
visitar-vos, não é homem de que devais envergonhar-vos. Vale mais do que esta
triste vida! Ao ouvir tais palavras, menina sacudiu os longos cabelos que lhe
caíram em desordem pelo rosto, misturando-se com os soluços. Depois desse dia,
a ama foi trazendo cartas de amor escritas por esse homem, mas a menina nem
sequer se dignava olhar para elas. Então, a ama disse a uma jovem dama de
companhia que havia lá em casa para escrever uma resposta como se fosse a patroa,
e mandou-a entregar. Essa manobra repetiu-se por várias vezes, até que chegou o
dia em que o homem decidiu ir lá a casa. A menina, pensando que não tinha outra
opção, aceitou o pedido de casamento. Era tão bela que ele não pôde deixar de a
amar perdidamente. Aliás, nascido igualmente numa família nobre, a sua figura e
o seu carácter nada tinham de vulgar». In Pascal Quignard, Histoiresd’Amour du
Temps Jadis, Editiones Philippe Picquier, Arles, 1998, Histórias de Amor de
Outros Tempos, Retratos Vivos, tradução de Maria Vilar Figueiredo, Edições
Cotovia, Lisboa, 2002, ISBN 972-795-043-4.
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