Considerações sobre a vida e obra de Rodrigues Brito
«(…) Um pouco de seguida
assevera, sendo todo o indivíduo fim para si e não meio para os outros, não
era lícito a ninguém o dirigir-se arbitrariamente a este ou aquele para lhe
fornecer as condições de que precisava, mas só e unicamente à sociedade, ao
Estado que, incumbido de manter o estado de Direito entre todos os homens, não
devia deixar perecer ninguém de fome e de miséria; subministrando a todos e
a cada um as condições do seu desenvolvimento. Num outro momento, assegura o
autor da trasladação das lições que aqui e ali se notem alguns sinais de um
certo moralismo e de uma certa postura menos individualista do que a de Ferrer,
que o haveriam de caracterizar. Com a devida licença, concebemos que é mais do
que aqui e ali. Nestas
prelecções existe uma mão cheia de atributos que denotam uma reflexão autónoma.
Mas passemos aos exemplos concretos. Nomeamos, nessa ordem de ideias, a
situação do proletariado patente nos seguintes trechos, a par dos pasmosos
progressos das ciências e das artes, da indústria e do comércio; a par de
relações tão estreitas e aparentemente amigáveis que hoje prendem as nações
civilizadas, existe o proletariado; a
par dum luxo desmedido que se admira nas grandes cidades, existe uma espantosa
miséria, e sente-a o maior número: homens morrendo de fome e de frio por falta
de trabalho, crianças condenadas a um trabalho prematuro e homicida; mulheres
vendidas à prostituição. Insiste o autor na mesma sintonia, o
proletariado existe sempre; nova forma da antiga escravatura é tão miserável ou
talvez mais do que ela. Em face da Filosofia do Direito e da Moral, e dos progressos
que estas ciências têm feito desde Kant, não é possível subsistir, sem as reformar,
instituições, onde o título do Direito não é respeitado. Depois de tudo isto, remata,
em clara alusão aos seus princípios futuros, temos fé em que a força, que ainda
hoje domina na sociedade, será um dia substituída pelo Direito e pela Moral,
operando-se todos os melhoramentos de que precisamos, ao passo que as
circunstâncias das nações os forem comportando.
Levado por esta corrente, referindo em trânsito Proudhon e a religião
[filosofia] da miséria, tem tempo para ainda condenar as novas organizações
sociais, o socialismo e o comunismo(?), desta forma: importa porém notar que se
na sociedade actual ainda o Direito não tem completa aplicação, não é com estes
novos sistemas que ele a terá, sistemas que são antes a negação completa do
Direito e da Moral, e consequentemente reprovados pela razão(?). Na mesma ordem
de ideias, podemos ressaltar a presença do conceito de prestação de condições
mútuas ou de serviços e do conceito de fraternidade e de solidariedade patentes
nesta assertiva, de que há entre nós igualdade fundamental de natureza; que somos
todos irmãos e que para o fim da humanidade todos devemos contribuir, cada um
com o contingente da sua própria actividade, sendo que o fim geral, resultante
dos fins individuais só se poderá realizar pelos esforços juntos de todos os indivíduos.
E, derradeiramente, a ideia do ensino como princípio norteador da existência
humana, aí em clara simultaneidade com Vicente Ferrer para quem a educação era
o instrumento de salvação da sociedade, que transparece do seguinte juízo, todo o homem tem um direito geral à sua
instrução; na sociedade em que vive, deve de encontrar os meios de se instruir;
esta obrigação, em que a sociedade se acha para com os indivíduos, fá-la
cumprir por alguns de seus membros por meio do ensino, cuja execução ela deve
promover. Em conclusão, temos que concordar que as indicações não são
tão poucas como isso e apontam na direcção que, posteriormente, as Lições de
Direito Natural e, mormente, a Philosophia do Direito se encaminha».
In
António Paulo S. Dias Oliveira, Rodrigues de Brito, a Mutualidade de Serviços e
o Solidarismo Krausiano, Universidade do Algarve, Faculdade de Ciências Humanas
e Sociais, DHAP, Faro, 2007.
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