sexta-feira, 22 de maio de 2015

Pobby e Dingan. Ben Rice. «Um dos raros livros que podem ser lidos com igual prazer por adultos e jovens. Uma história divertida e comovente. Na verdade, apenas Kellyanne os pode ver. Pobby e Dingan são imaginários…»

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«Kellyanne abriu a porta do carro e enfiou-se no meu quarto. Trazia o rosto esbaforido e pálido, todo franzido. Mal entrou, disse: Ashmol! O Pobby e a Dingan estão talvez mortos. Foi assim que ela disse. Ainda bem, disse eu. Talvez agora comeces a crescer e deixes de ser assim chalada. As lágrimas começaram a correr-lhe pelas faces. Mas isso não me fazia ter nenhuma pena dela, e vocês também não teriam se tivessem crescido com Pobby e Dingan. O Pobby e a Dingan não estão mortos, disse, disfarçando a fúria com uma golada da lata de Mello Yello. Nem nunca existiram. O que nunca existiu não pode morrer. Topas? Kellyanne fixou-me por entre as lágrimas com o mesmo olhar de quando eu tinha batido com a porta da carrinha na cara de Dingan ou daquela vez em que eu tinha pisado o sítio onde ela dizia que Pobby estava sentado e dei socos e pontapés no ar onde era a cabeça dele para mostrar a Kellyanne que Pobby não passava de uma ficção saída da sua imaginação. Já perdi a conta do número de vezes que me sentei à mesa a dizer: mamã, por que tem de pôr lugares para o Pobby e a Dingan? Nem sequer são reais. E também lhes punha comida nos pratos. Dizia que faziam menos barulho e se portavam melhor do que eu e que bem mereciam o que comiam. Mas não são lá muito conversadores, respondia eu. Outras vezes em que Kellyanne teimava que Pobby e Dingan eram reais, limitava-me a ficar ali sentado a dizer Não são. Não são. Não são, até ela se chatear de repetir São. São. São, e sair a correr aos guinchos com as mãos a tapar os ouvidos. E houve muitas vezes em que me apeteceu matar Pobby e Dingan, não me importo de o dizer. O meu pai voltava das minas de opala coberto de poeira, a barba como o traseiro de um cão que tivesse caga… na cauda. Estava sempre a dizer: Ashmol, hoje senti-a! Amanhã chegamos à opala, meu rapaz, e vamos ser milionários à certa! Estou mesmo a ver aquelas lindinhas ali enfiadas nas galerias, mesmo a olhar para mim. A observar-me. À espera. Vermelhas e pretas, Ashmol, aposto o que quiseres! Contam para aí que o Lucky Jess sacou uma pedra de um milhão de dólares e o fóssil de um dente de mamute com um raio de sol dentro. Andamos perto, pá. Pertinho. Ali naquele terreno há de certeza qualquer coisa com o nome Williamson escrito! A sério?. O entusiasmo dele acabava sempre por me contagiar. Começava a sentir um formigueiro a descer-me pelo pescoço e ficava ali sentado com as orelhas arrebitadas como as de um perdigueiro, a língua pendente, fito nos olhos que lhe giravam nas órbitas. Eram uns olhos estranhos, azuis e verdes e havia neles um cintilar de ouro. Olhos de opala, disse uma vez a minha mãe com um suspiro, só que um bocadinho mais fáceis de descobrir.
Pois enquanto o meu pai cirandava pelo pátio a distrair-se um bocado aos goles numa V. B. , Kellyanne era capaz de dizer: papá, tem cuidado! Quase pisaste o Pobby com os teus pés grandes! Olha por onde andas! Mas o papá estava demasiado entusiasmado para reagir de outro modo que não fosse dizer: Ah, desculpa, princesa. Pisei os teus amigos faz-de-conta? O papá era assim. Eu e ele nunca levámos Pobby e Dingan minimamente a sério. Mas havia quem levasse. O género de pessoas mais velhas e indulgentes de Lightning Ridge tinham como que adoptado Pobby e Dingan. Tinham deixado completamente de lançar a Kellyanne aqueles olhares espantados e de a picar com ditos sobre eles. Agora quando ela descia Opal Street, alguns velhotes detinham-se e gritavam: bom dia, Kellyanne. Bom dia, Pobby. Como está hoje a menina Dingan? Era de dar vontade de vomitar o chão todo. Lightning Ridge estava cheia de idiotas chapados como já estão a ver. Era como se o sol lhes tivesse queimado os miolos. Claro que eu era tão marado do garimpo como qualquer outro miúdo, mas não era tão pirado que me pusesse a falar com amigos imaginários, deixem-me que vos diga. Mas certa vez Ronnie Hope permitiu a Kellyanne inscrever Dingan no concurso da Princesa Opala por Kellyanne estar com gripe. Não estou a brincar. E o júri atribuiu a Dingan o terceiro lugar. E Nils O'Reiordan do jornal foi lá e tirou fotografias de Kellyanne com o braço por cima do ombro invisível de Dingan e depois fingiu que fazia perguntas a Dingan e não sei que mais. Uma coisa embaraçosa. Quando saiu o jornal trazia uma fotografia de Kellyanne com uma coroazinha de prata em cima dos cabelos loiros compridos e por baixo havia uma frase a dizer: duas Princesas Opala, Kellyanne Williamson (de oito anos) e a sua amiga invisível Dingan que ganhou o terceiro prémio no concurso da Príncesa Opala deste ano. Além disso, sempre que íamos ao Khan's, a sra. Schwartz estendia três chupas à minha irmã e dizia: toma, Kellyanne. Um para ti, um para o Pobby e um para a Dingan. Estão todos muito bonitos. Toda a gente conhecia toda a gente em Lightning Ridge. E até havia pessoas que conheciam ninguém, ao que parece. Pobby e Dingan estavam mesmo calhados para esta vilória». In Ben Rice, Pobby e Dingan, tradução de José Lima, Publicações dom Quixote, Lisboa, 2000/2001, ISBN 972-201-949-X.

Cortesia PQuixote/JDACT