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de wikipedia e jdact
Entre
o dinheiro e o Inferno: a usura e o usuário
«(…) Trata-se
aqui apenas de um esquema; a partir desse esboço, o pregador acrescenta
pormenores. Representa com a voz e suas entonações, gesticula, a matéria já é
impressionante. Deve ter sido levada a milhões de ouvintes. Pois o sermão, na
Idade Média, é a grande media
que atinge, em princípio, todos os fiéis. Na verdade, sabemos, graças
especialmente a um exemplum
concernente a São Luís, que às vezes homens deixam a igreja durante um sermão, em
troca da sua grande concorrente, a taberna,
que oferece uma tentação permanente. Quando isso aconteceu em sua presença,
São Luís, escandalizado, tornou a trazer à boa palavra os paroquianos
extraviados. Além disso, o século XIII vê um grande renascimento da pregação.
Confrontada com os
heréticos, é o apogeu dos Cátaros, com a evolução de um mundo que, cada vez mais,
oferece aos cristãos gozos terrestres, a Igreja escolhe falar. A uma sociedade
em plena mutação, ela dirige uma palavra muitas vezes inédita e trata da vida quotidiana.
Novas ordens acabam de nascer,
que opõem à riqueza crescente o valor espiritual da pobreza: Ordens
Mendicantes, cujas duas mais importantes, a dos Franciscanos e a dos
Dominicanos, estas últimas formam a Ordem dos Pregadores, se especializam na
pregação. Após ter pregado a Cruzada, prega-se a Reforma. Com vedetes que atraem
as multidões. Embora secular, Jacques Vitry foi uma delas: pregador ainda da
Cruzada, mas sobretudo pregador da nova sociedade. Seus modelos de sermão, com
seus esquemas de exempla, foram
largamente reproduzidos e difundidos além mesmo do século XIII. E aquela
história, que talvez tenha sido uma anedota de sucesso, evoca o momento mais
angustiante da vida do cristão, a agonia. Ela põe em cena a dualidade do homem:
sua alma e seu corpo, o grande antagonismo social do rico e do pobre, esses
novos protagonistas da existência humana que são o ouro e a prata, e termina na
pior conclusão de uma vida: o apelo do insensato aos demónios, a evocação dos
diabos que torturam e o enterro dos condenados aqui em baixo e no Além.
Recusado à terra cristã, o cadáver do usurário impenitente é sepultado sem
demora e para sempre no Inferno. A bom entendedor, a salvação! Usurários! Eis o
vosso destino.
Tal é a fonte essencial onde
iremos procurar o usurário da Idade Média, nas anedotas que foram contadas, ouvidas
e que circularam. A usura é um pecado. Por quê? Que maldição atinge essa bolsa
que o usurário enche, adora, e da qual não se quer separar mais do que Harpagão
(o avaro) de seu tesouro e que o conduz à morte eterna? Para salvar-se será
preciso separar-se da bolsa, ou encontrará, encontrarão para ele, o meio de
guardar a bolsa e a vida eterna? Eis o grande combate do usurário entre a
riqueza e o Paraíso, o dinheiro e o Inferno.
A
bolsa: a usura
Falamos
de usura e, algumas vezes, os textos e os homens da Idade Média também utilizam
essa palavra no singular, usura.
Mas a usura tem muitas faces. Quase sempre, os documentos do século XIII
empregam o termo no plural: usurae.
A usura é um monstro de várias cabeças, uma hidra. Jacques Vitry, em seu
sermão modelo 59, consagra o terceiro parágrafo à evocação desta usura de
múltiplas formas: De multiplici
usura. E Thomas Chobham, em sua Summa, após ter definido a usura em geral, descreve
seus os diferentes casos: De variis
casibus para voltar
no final aos outros casos de usura». In Jacques Le Goff, A Bolsa e a Vida, 1986/1989/2004,
Editorial Teorema, 2006, ISBN 978-972-695-683-9.
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