A
Mulher que Amou Jesus
«(…) O tumulto aumentava à medida
que os grupos se aproximavam da cidade, e as suas fileiras inchavam quando se
juntavam. Era uma massa feliz e alegre de gente, impelida por uma combinação de
temor e fé religiosos. Mais à frente, outras carruagens desciam as ladeiras,
aos solavancos, e as canções de outros peregrinos enchiam o ar, com a batida de
pratos e o repicar dos tamborins. A grande porta do lado norte estava aberta;
uma porção de mendigos e leprosos lamentava-se, pedindo esmolas, e quase foram esmagados
pela multidão que chegava. Maria viu alguns soldados romanos, a cavalo, olhando
e atentos para o caso de qualquer problema. Seus capacetes, com um penacho,
pareciam ameaçadores contra o céu azul. Os viajantes diminuíram o ritmo, quase
para um passo de tartaruga, ao chegarem à porta; a mãe de Maria segurou-a junto
de si, pela pressão exercida pela multidão à sua volta; de repente, todos se
sentiram apertados e conseguiram atravessar a porta e entrar na cidade de
Jerusalém. Mas não havia tempo para parar e admirar as coisas; a massa que
vinha atrás empurrava todo o mundo para a frente. Aah!, exclamavam as
pessoas à sua volta, em sinal de admiração.
À noite, acamparam fora dos muros
da cidade, assim como outros milhares de peregrinos, estendendo-se em sua volta
como se fosse uma segunda muralha. Sempre ocorria isso por ocasião das grandes
festas; às vezes, meio milhão de peregrinos convergia para a cidade, que,
naturalmente, não os podia alojar. E assim, uma segunda Jerusalém espalhava-se
em torno da cidade. Risadas, canções e vozes animadas chegavam de outras
barracas e fogueiras, as pessoas visitavam umas às outras, buscando parentes e amigos
de outros vilarejos. E os judeus estrangeiros, que haviam viajado grandes distâncias
para orar no Templo, sobressaíam pelas suas barracas estranhas: tinham cúpulas,
pavilhões de seda e as entradas eram ornamentadas. Embora alguns deles vivessem
longe das suas terras ancestrais por mais de dez gerações, ainda consideravam o
Templo o seu lar espiritual.
Maria fechou os olhos, tentando
dormir. Mas era difícil, com a algazarra da festa em sua volta. Em vez de
Jerusalém, tornou a sonhar com o misterioso bosque de árvores com estátuas. O
branco das estátuas na sua base de mármore, visível no luar do sonho, parecia
flutuar com espuma nas ondas do oceano. O sussurro das árvores, a glória do mármore
iluminado pela luz do luar e as promessas de segredos perdidos rodopiavam, como
um turbilhão, nos seus sonhos. Levantaram-se
quando ainda estava escuro e começaram a preparar-se para entrar de novo na
cidade, desta vez para cumprir os rituais da festa. Maria estava tão curiosa
para ver o Templo, que tremia. Hoje, dia da festa, a multidão era ainda maior
que na véspera. Rios de pessoas obstruíam as ruas, pressionando de tal forma as
paredes das casas que quase parecia que estas não resistiriam aos empurrões.
Alguns dos peregrinos eram bastante curiosos: os que vinham da Frígia, suando
sob os seus pesados capotes de pele de cabra; outros, da Pérsia, com roupas de seda
e brocados de ouro; os fenícios, com as suas túnicas e calças listradas; os babilónios,
com os seus mantos pretos, sombrios. Embora todos se empurrassem uns aos
outros, ansiosamente, na direcção do Templo, pareciam menos piedosos que
vorazes, como se ali houvesse algo que estavam prontos a devorar.
Ao mesmo tempo, os barulhos da
cidade começavam a fundir-se numa zoada. Os berros dos vendedores de água,
certos de que fariam bons negócios, os cânticos dos peregrinos, a gritaria dos
mercadores, que esperavam vender bijuterias e véus, e, acima de tudo, os
balidos dos rebanhos de ovelhas sendo levadas ao Templo, para sacrifício, tudo
isso ressoava como um estrondo doloroso. De algum lugar, bem ao longe, ouviram-se
explodir as trombetas de prata do Templo, anunciando a celebração». In
Margaret George, A Paixão de Maria Madalena, 2002, Saída de Emergência, Edições
Fio de Navalha, 2005, ISBN 972-883-911-1.
Cortesia de SdeEmergência/JDACT