sábado, 24 de março de 2018

Papas. Imperadores e Hereges na Idade Média. José D’Assunção Barros. «… ao longo de toda a história do Império Romano, contingentes menores ou maiores de migrações germânicas forçaram as fronteiras do Império…»

Cortesia de wikipedia e jdact

Novos campos historiográficos e novas leituras da passagem
«(…) A síntese desta complexa trajectória dos visigodos para dentro e por dentro do Império, com encaixes e desencaixes dos povos visigodos em relação ao Império e ao sentimento de pertença em relação à cidadania romana, revela-nos desde o século III sucessivas nuances: a de opositores militares, refugiados, povos assimilados, povos assimilados que se revoltam, contingentes militares integrados ao Império, contingentes integrados ao exército imperial que novamente se insurgem, para retornar então à nuance de opositores militares. Para além disto, deveríamos verificar ainda a nuance sempre presente de populações de visigodos que poderiam ser vistas simplesmente como migrantes, como grandes massas populacionais, que encontram oportunidade de se deslocar para terras romanas em busca de melhores condições. O congelamento de rios como o Reno, em certos invernos como o de 406, pode oferecer em certos momentos uma ponte natural para populações de povos não latinos que, do outro lado do rio, só poderiam concretizar este deslocamento massivo com o apoio deste providencial facto da natureza. Por outro lado, ao longo de toda a história do Império Romano, contingentes menores ou maiores de migrações germânicas forçaram as fronteiras do Império como um facto que sempre fora bem administrado.
No conjunto dos migrantes, novas nuances desenhavam-se, de salteadores que chegavam e partiam a homens procurando trabalho que se estabeleciam, a guerreiros que conseguiam ser assimilados no próprio exército romano. Percebemos, portanto, as mais distintas nuances acompanhando os deslocamentos visigodos, e de outros povos germânicos de modo geral, para dentro do Império e por dentro do mesmo, o que não permite falar apenas, taxativamente, de invasões visigodas, ou também de invasões bárbaras para os outros casos. A história demográfica, a história social, a história cultural, com seus extraordinários desenvolvimentos historiográficos a partir do século XX, permitiriam, aliás, examinar estes processos migratórios e estes grandes deslocamentos a partir de novas perspectivas, para além da que era antes proporcionada pela história militar.
                                        
Interlúdio: algumas leituras sobre a passagem que remonta à sua própria época
Antes de avançarmos num quadro mais diversificado de perspectivas sobre a passagem, será útil insistir na ideia de que, em que pese o facto de que tenha sido a história política do século XIX o que grosso modo favoreceu certas leituras acerca do papel das agressões externas ou do declínio interno na queda do Império Romano, diversas destas interpretações já vinham sendo colocadas até mesmo na própria época da passagem da Antiguidade para o período Medieval. Tal como foi ressaltado antes, acontecimentos como o saque visigodo de Roma em 410 impactaram de tal maneira os cidadãos do Império que, tão logo ocorreram, começaram a produzir imediatas interpretações. Exemplos significativos são as inquietações expressas em algumas das Epístolas de São Jerónimo, ou na já mencionada História contra os pagãos redigida por Paolo Orósio, para além de algumas interpretações cristãs de cunho milenarista que queriam pressentir, nos surpreendentes acontecimentos que assolavam o Império, a proximidade do fim do mundo. Em contrapartida, havia os que enxergavam nas transformações religiosas do Império, consolidando-se na adopção do cristianismo como religião única, a verdadeira origem das calamidades que agora se abatiam sobre a civilização romana, de modo que para salvar esta civilização seria preciso reverter ao paganismo. Por fim, havia os que viam as invasões germânicas e hunas como um brutal e irreversível acontecimento que estava prestes a soterrar inexoravelmente o mundo civilizado». In José D’Assunção Barros, Papas, Imperadores e Hereses na Idade Média, Editora Vozes, 2012, ISBN 978-853-264-454-1.

Cortesia EVozes/JDACT