quinta-feira, 29 de março de 2018

A Verdadeira História. Margaret George. «Quando o rabino começou a partir as figuras com um porrete, Maria chegou a pensar se também deveria atirar o seu para junto dos outros»

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A Mulher que Amou Jesus
«(…) Eli, sisudo, preparava-se para responder quando, de repente, ocorreu uma comoção, lá à frente, e a caravana parou. Natan deixou o grupo e correu para lá. Mas a notícia espalhou-se pelo grupo muito antes que Natan chegasse à frente da caravana. Ídolos! Um esconderijo de ídolos! Rapidamente, a caravana transformara-se numa massa única e todos corriam para a frente, para ver os ídolos. O clima era de excitação, quem, de entre eles, teria realmente visto um ídolo dos antigos? Havia os modernos ídolos romanos, naturalmente, embora mesmo esses estivessem confinados a cidades como Séforis, na Galileia, que poucas das pessoas da caravana teriam ousado visitar. Mas ídolos antigos! Aqueles ídolos lendários que os profetas amaldiçoavam e que tinham levado à ruína e ao exílio dois reinos: o do norte de Israel e o de Judá. Até os seus nomes eram pronunciados com uma espécie de medo: Baal. Astarte. Moloc, Dagon. Merodac. Baal-Berit. Um rabino de Betsaida estava em pé à beira da estrada, perto de umas camadas rochosas com uma pequena abertura, onde dois dos seus assistentes escavavam e retiravam objectos embrulhados. Uma fila deles encontrava-se já pelo chão, jazendo como guerreiros mortos.
A marca era perfeitamente visível!, gritava o rabino, apontando a rocha que cobria a entrada da gruta. Por que é que ele acha que tem o direito de a abrir? Perguntava-se Maria. Eu sabia que era coisa do mal!, gritou o rabino, como se respondesse à pergunta silenciosa de Maria. Devem ter sido escondidos há muito tempo, na esperança de que os seus donos voltassem para os recuperar, restaurar e recolocá-los em locais altos, ou onde quer que fosse, para serem adorados. Mas talvez tenham morrido na Assíria, o que foi justo. Desembrulhem-nos!, gritou para os seus assistentes. Desembrulhem-nos, para que os possamos partir e destruir! Que horror! Ídolos! Todas as abominações devem ser destruídas! As ligaduras de pano amareladas tinham-se deteriorado de tal forma que era difícil desenrolá-las, e o rabino ordenou que as cortassem com facas. Surgiram figuras de cerâmica, rústicas, com olhos protuberantes, e braços e pernas que pareciam de pau. Maria apertou com firmeza o tesouro que escondera no seu cinto. O seu não era feio como aqueles, era lindo.
Quando o rabino começou a partir as figuras com um porrete, Maria chegou a pensar se também deveria atirar o seu para junto dos outros. Mas a ideia daquele belo rosto a ser destruído era dolorosa. E ficou a olhar para os ídolos, abandonados àquela chuva de cacos. Um pedaço de um braço minúsculo pousou na sua manga, e ela pegou nele e examinou-o. Parecia um pequeno osso de galinha. Parecia até ter garras. Sem pensar, enfiou-o também no seu cinto. Quem achas que eram?, perguntou Silvanus, de repente. Talvez fossem deuses dos cananeus. Podiam ser qualquer coisa. Uma chuva de pedaços de ídolos caiu sobre eles. - Bem, o que quer que fossem, deixaram de ser. Desapareceram para sempre. Mas um deus podia desaparecer para sempre? Um deus podia ser destruído? Perguntava-se Maria. Ai daquele que diz à madeira: acorda! E à tosca pedra: desperta!, gritava o rabino, golpeando os ídolos, uma última vez, com o seu porrete. Como pode uma coisa destas proferir oráculos? Estão a ver? É revestido a ouro e prata, mas não existe vida dentro dele. Fez uma pausa, abanando a cabeça em sinal de satisfação. Depois, apontou em direcção a Jerusalém e, com uma voz de júbilo, citou os versos do profeta Habacuc: o Senhor, porém, está no seu santo templo; cale-se diante dele toda a terra! Ergueu o seu cajado. Amanhã, meus amigos! Amanhã
veremos o Templo sagrado! Abençoado seja o único e eterno Senhor! E cuspiu no que restava dos ídolos». In Margaret George, A Paixão de Maria Madalena, 2002, Saída de Emergência, Edições Fio de Navalha, 2005, ISBN 972-883-911-1.

Cortesia de SdeEmergência/JDACT