quinta-feira, 29 de março de 2018

Os Trovadores Medievais e o Amor Cortês. Reflexões historiográficas. José D’Assunção Barros. «No sul occitânico o subconjunto provençal dos troubadours, da langue d'oc e da civilização cátara, berço do amor cortês»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Todos estes universos trovadorescos guardam as suas próprias especificidades. Mas existem certas características comuns que tocam todo o grande conjunto de poetas-cantores medievais, como a itinerância de boa parte de seus participantes ou a oralidade da sua produção. A entender por estes critérios, a cultura medieval contou com uma longa duração de movimentos trovadorescos nas várias partes da Europa (a partir da Idade Moderna esta longa duração desfaz-se num mundo que será progressivamente tomado pelo predomínio da escrita, pela separação entre poesia e música, pela profissionalização mais estabilizadora do artista, e por toda uma série de novas práticas que deixarão o mundo dos trovadores medievais para trás). E, contudo, naquela espécie de longa duração trovadoresca marcada pela itinerância e pela oralidade se inscrevem as durações mais curtas, compreensíveis a partir de um enfoque historiográfico que permite isolar os diversos trovadorismos de acordo com as sociedades que os envolvem. É aqui que surge uma acepção mais restrita para a designação trovadores. Segundo esta, o movimento trovadoresco pode remeter a uma realidade mais específica, como a das cortes régias e senhoriais a partir do século XI, quando a cultura aristocrática assimila a produção poético-musical como uma de suas actividades distintivas. Os historiadores puderam debruçar-se mais especificamente sobre estes trovadores cortesãos que actuaram no Ocidente Europeu entre os séculos XI e XIV porque eles deixaram muitos registos, seja sob a forma de cantigas das quais se conhece a poesia e a música que foram anotadas em grandes códices de manuscritos palacianos, seja sob a forma de relatos acerca de suas vidas que nos foram legados pelos cronistas da época e por textos difundidos pelos próprios trovadores. É frequentemente a este universo trovadoresco mais singular que muitos historiadores se referem quando utilizam a designação trovador. Assim, esta acepção mais restrita representa uma espécie de recorte, no espaço social e no tempo, dentro da produção trovadoresca mais ampla. Refere-se pois à poesia, popular ou aristocrática, que circulava no meio cortesão, notando-se que desta circulação participavam os mais diversos tipos sociais. Além disso remete a um período que vai do século XI ao XIV, estendendo-se ao século XV em algumas cortes alemãs. É a esta contribuição trovadoresca mais específica que nos referiremos a partir daqui. Tal como foi dito, característica comum à boa parte dos trovadores medievais de que trataremos aqui era a sua itinerância, ainda que esta não deva ser exagerada, já que muitos trovadores se estabeleciam a seu tempo em alguma corte ou região. Ser um meio movente traz uma efervescência especial ao meio trovadoresco. O trovador liga-se por esta afinidade àquelas figuras do cavaleiro andante, do clérigo errante, do mercador e navegante, cada qual um elemento importante no processo de transformação da sociedade medieval a partir do século XI. Ao mesmo tempo, a itinerância punha em contacto todos os trovadores, facilitava as trocas culturais e criava uma grande malha que recobria todo o Ocidente Europeu com o seu tecido de versos e sonoridades. O grande concerto dos poetas-cantores tinha contudo os seus timbres internos. Para efeito de simplificação, consideremos as cinco principais regiões culturais em termos de produção trovadoresca. A França via-se então dividida culturalmente em norte e sul, daí gerando dois subconjuntos distintos e separados pela linguagem. No sul occitânico o subconjunto provençal dos troubadours, da langue d'oc e da civilização cátara, berço do amor cortês. No norte, os trouvères, cantando na langue d'oil as primeiras canções de gesta. Em torno do vale do Pó, foi mais tardio o movimento dos trovadores italianos, dando origem ao chamado dolce stil nuovo. Na Alemanha, a Minnesang contribuía com a sua versão germânica para o amor cortês (minne = amor subtil) e para outros géneros trovadorescos. Finalmente, o subconjunto dos trovadores galego-portugueses, que unificava através de uma língua poética comum boa parte da península ibérica cristã (com excepção de Aragão e da Catalunha, mais ligados ao circuito provençal). Dos cinco subconjuntos destacados, o Provençal pode ser tomado como o grande pólo de irradiação que detonou o trovadorismo de corte. A grande novidade trazida por estes troubadours do sul occitânico (cortes da Provença, Toulouse, região da Catalunha) foi sem sombra de dúvida o Amor Cortês. Explica a sua irresistível difusão por toda a Europa Feudal o facto de que este novo modelo do sentir estava em imediata sintonia com os valores feudo-vassálicos do seu tempo, com formas apaixonadas de religiosidade que então surgiam, com necessidades sociais inter-familiares que proporcionaram não apenas o surgimento dos trovadores, mas também dos cavaleiros andantes em busca de aventuras e de oportunidades. É esta contribuição mais específica do Amor Cortês que enfocaremos agora. Ela não é a única contribuição do trovadorismo para a cultura medieval e para a história do pensamento do homem ocidental, mas seguramente é a mais impactante». In José D’Assunção Barros, Os Trovadores Medievais e o Amor Cortês, Reflexões historiográficas, 1995, revista Alethéia, UFG, Abril/Maio, 2008.

Cortesia de RAlethéia/JDACT