sábado, 3 de março de 2018

Arez da Idade Média à Idade Moderna. Ana Santos Leitão. «Na Idade Média, a linha de fronteira não existia. Era, portanto, um espaço amplo, como foi referido, de contornos indefinidos»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…)
O conceito de Fronteira
A partilha das áreas territoriais constitui um fenómeno historicamente evolutivo, em função dos processos de desenvolvimento sócio-económico, cultural e cientifico-tecnológico das comunidades politicamente organizadas, revestindo modalidades diferenciadas, graus de precisão variáveis e significados específicos. Os mares e oceanos, os desertos, os grandes rios, as montanhas, são elementos físicos naturais que ao longo da história da humanidade, constituíam barreiras mais ou menos estanques, mais ou menos permeáveis, para os movimentos humanos, que só a técnica, com toda a sua capacidade de dominar a natureza, permitiu vencer. Estas mesmas características físicas da geografia condicionaram as populações na sua adaptação ao meio, nas suas actividades, nas suas migrações, na sua organização de grupo, na formação de civilizações e culturas e no seu interrelacionamento. Com o andar dos tempos, estas fronteiras naturais seriam apropriadas pelo homem político para exercerem o papel de fronteira entre regiões e grupos diferenciados, contribuindo para o enraizamento e desenvolvimento das suas peculiaridades, e de sentimentos de identidade de antagonismo, com respeito a elementos estranhos e exteriores ao próprio meio. Historicamente consideradas mais seguras, mesmo quando prevalecia a tendência ofensiva, como aconteceu com a política expansionista francesa da Idades Média e da Idade Moderna, junto aos Alpes, ao Reno e aos Pirinéus, estas fronteiras naturais deram fundamento à doutrina geopolítica dos confins naturais de Haushofer, na Alemanha do princípio do séc. XX, que atribuía aos factores geográficos uma função determinante na história política da humanidade. No tocante aos grandes rios, a sua função de fronteira natural é basicamente indicativa, sem esquecer que eles serviram de importantes meios de comunicação e vias de transporte comercial ao longo de séculos. Não obstante esse aspecto, os grandes rios, até pela sua fisionomia aberta, têm servido de obstáculo a acções ofensivas, obrigando-as a deterem-se nas suas margens. Também as montanhas irão representar uma barreira física até serem apropriadas pelas populações que, conseguindo adaptar-se a essas especiais condições de vida, aí se estabeleceram. Com a evolução das técnicas do povoamento, também a sua função de fronteira se tornaria eminentemente convencional. A ideia de fronteira, enquanto significado de limite ou delimitação concreta de um espaço territorial, terá surgido, historicamente da necessidade estabelecerem definirem e resolverem os seus direitos de propriedade. Com o passar dos tempos, esta ideia transferiu-se para os planos político, jurídico e institucional de comunidades mais amplas territorializadas, interpretada como domínio do totem, do soberano e do Estado. A palavra Fronteira, pelo menos na documentação que consultámos, apenas aparece em meados do séc. XII. Se o termo não exprime uma intenção organizativa, já indica uma preocupação militar sobretudo defensiva.
Derivado de frons, que significa a parte da frente de um acampamento ou de um exército, o lado exposto ao inimigo. Mas podemos mesmo arriscar que se detectará aqui uma intenção ofensiva. Contudo, não queremos com isto significar que não houvesse, antes da utilização do termo fronteira, uma preocupação de organização, prevenindo ataques externos, e a criação daquilo a que podemos chamar, guardadas todas as distâncias, e sabendo que incorremos em anacronismo, zonas e distritos militares, hierarquizados. Na Idade Média, a linha de fronteira não existia. Era, portanto, um espaço amplo, como foi referido, de contornos indefinidos, ora em expansão, ora em situação de defesa ou contenção, dependendo apenas das decisões tomadas, das capacidades internas de cada um dos grupos. Expansão, se havia necessidade de espaço vital, mas se está presente a ideia de que a comunidade tinha capacidade demográfica suficiente para criar grupo ou grupos de colonossoldados, cuja missão seria ocupar o espaço vazio e, se possível, expandir-se para além desses confins. Defesa, se existia medo ou respeito (militar) pelo vizinho ou se a comunidade se encontrava ameaçada por uma agressão exterior. Aliás, estes dois momentos podem ser observados nas lutas de expansão e conquista peninsulares, e em ambos os contendores em presença». In Ana Santos Leitão, Arez da Idade Média à Idade Moderna, Tese de Mestrado, Edições Colibri, Centro de História da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2013, CM de Nisa.

Cortesia de EColibri/JDACT