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O conceito de
Fronteira
A partilha das áreas territoriais
constitui um fenómeno historicamente evolutivo, em função dos processos de
desenvolvimento sócio-económico, cultural e cientifico-tecnológico das comunidades
politicamente organizadas, revestindo modalidades diferenciadas, graus de precisão
variáveis e significados específicos. Os mares e oceanos, os desertos, os
grandes rios, as montanhas, são elementos físicos naturais que ao longo da
história da humanidade, constituíam barreiras mais ou menos estanques, mais ou
menos permeáveis, para os movimentos humanos, que só a técnica, com toda a sua
capacidade de dominar a natureza, permitiu vencer. Estas mesmas características
físicas da geografia condicionaram as populações na sua adaptação ao meio, nas
suas actividades, nas suas migrações, na sua organização de grupo, na formação
de civilizações e culturas e no seu interrelacionamento. Com o andar dos tempos,
estas fronteiras naturais seriam apropriadas pelo homem político para exercerem
o papel de fronteira entre regiões e grupos diferenciados, contribuindo para o
enraizamento e desenvolvimento das suas peculiaridades, e de sentimentos de
identidade de antagonismo, com respeito a elementos estranhos e exteriores ao
próprio meio. Historicamente consideradas mais seguras, mesmo quando prevalecia
a tendência ofensiva, como aconteceu com a política expansionista francesa da
Idades Média e da Idade Moderna, junto aos Alpes, ao Reno e aos Pirinéus, estas
fronteiras naturais deram fundamento à doutrina geopolítica dos confins
naturais de Haushofer, na Alemanha do princípio do séc. XX, que atribuía aos
factores geográficos uma função determinante na história política da
humanidade. No tocante aos grandes rios, a sua função de fronteira natural é
basicamente indicativa, sem esquecer que eles serviram de importantes meios de
comunicação e vias de transporte comercial ao longo de séculos. Não obstante
esse aspecto, os grandes rios, até pela sua fisionomia aberta, têm servido de
obstáculo a acções ofensivas, obrigando-as a deterem-se nas suas margens.
Também as montanhas irão representar uma barreira física até serem apropriadas
pelas populações que, conseguindo adaptar-se a essas especiais condições de
vida, aí se estabeleceram. Com a evolução das técnicas do povoamento, também a
sua função de fronteira se tornaria eminentemente convencional. A ideia de
fronteira, enquanto significado de limite ou delimitação concreta de um espaço
territorial, terá surgido, historicamente da necessidade estabelecerem
definirem e resolverem os seus direitos de propriedade. Com o passar dos
tempos, esta ideia transferiu-se para os planos político, jurídico e
institucional de comunidades mais amplas territorializadas, interpretada como
domínio do totem, do
soberano e do Estado. A palavra Fronteira, pelo menos na documentação que
consultámos, apenas aparece em meados do séc. XII. Se o termo não exprime uma
intenção organizativa, já indica uma preocupação militar sobretudo defensiva.
Derivado de frons, que significa
a parte da frente de um acampamento ou de um exército, o lado exposto ao
inimigo. Mas podemos mesmo arriscar que se detectará aqui uma intenção ofensiva.
Contudo, não queremos com isto significar que não houvesse, antes da utilização
do termo fronteira, uma preocupação de organização, prevenindo ataques
externos, e a criação daquilo a que podemos chamar, guardadas todas as
distâncias, e sabendo que incorremos em anacronismo, zonas e distritos
militares, hierarquizados. Na Idade Média, a linha de fronteira não
existia. Era, portanto, um espaço amplo, como foi referido, de
contornos indefinidos, ora em expansão, ora em situação de defesa ou contenção,
dependendo apenas das decisões tomadas, das capacidades internas de cada um dos
grupos. Expansão, se havia necessidade de espaço vital, mas se está presente a
ideia de que a comunidade tinha capacidade demográfica suficiente para criar
grupo ou grupos de colonossoldados, cuja missão seria ocupar o espaço vazio e,
se possível, expandir-se para além desses confins. Defesa, se existia medo ou
respeito (militar) pelo vizinho ou se a comunidade se encontrava ameaçada por
uma agressão exterior. Aliás, estes dois momentos podem ser observados nas
lutas de expansão e conquista peninsulares, e em ambos os contendores em presença».
In
Ana Santos Leitão, Arez da Idade Média à Idade Moderna, Tese de Mestrado,
Edições Colibri, Centro de História da Faculdade de Letras da Universidade de
Lisboa, 2013, CM de Nisa.
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