sábado, 17 de março de 2018

O Último Segredo do Templo. Paul Sussman. « O rapaz voltou os olhos para ele, uma enorme silhueta diante do flamejante céu e, então, prosseguiu. Afastando a cortina: caminhou pela sala sustentada por pilares»

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Templo de Jerusalém. Agosto, ano 70 d.C.
«(…) Depressa!, incitou-o. Os alicerces dos muros não resistirão por muito tempo. Correram através do pátio, esquivando-se das diversas cabeças espalhadas pelo chão, flechas zunindo ao redor. No final do percurso, escalaram os quinze degraus até chegar ao Portão de Nicanor e atravessaram um segundo local aberto onde multidões de kohenim faziam sacrifícios no grande Altar dos Holocaustos, com os trajes cobertos de fuligem, e as vozes de lamentação, abafadas pela fúria da batalha: oh, Deus, que nos rejeitaste e quebrastes as nossas defesas com a Tua ira, defende-nos! Tu, que fizeste a terra tremer, tu que a rasgaste, repara as suas fendas, pois ela vacila!
Eles atravessaram mais esse pátio e subiram os doze degraus que conduziam ao Pórtico do Mishkan, cuja fachada maciça se erguia acima deles como uma falésia, com cem cúbitos de altura e ornamentado com uma magnífica vinha trabalhada com o mais puro ouro. Aí, Eleazar parou, virou-se para o rapaz, agachando-se a ponto de seus olhos permanecerem na mesma altura. Não posso prosseguir. Somente os kohenim e o Sumo Sacerdote podem entrar no santuário. E quanto a mim? A voz do rapaz soava vacilante. A tua entrada foi autorizada neste momento de extrema gravidade. Foi o Matias quem o disse. O Senhor compreenderá. Colocou as mãos nos ombros do rapaz e apertou com força. Não tema, David, o seu coração é puro. Nenhum mal lhe sucederá. Olhou fixamente nos olhos do rapaz e então, levantando-se, empurrou-o em direcção à entrada, com os seus dois pilares de prata e cortina bordada de seda nas cores vermelho, azul e roxo. Vai… E que Deus te acompanhe!
O rapaz voltou os olhos para ele, uma enorme silhueta diante do flamejante céu e, então, prosseguiu. Afastando a cortina: caminhou pela sala sustentada por pilares cuja pavimentação era de mármore polido, e o tecto, tão alto que se perdia nas sombras. O local era agradável e silencioso, com uma doce e inebriante fragrância no ar. A batalha parecia retroceder e desaparecer, como se estivesse ocorrendo num outro mundo. Shema Yisrael, adonai elohenu, adonai ehud… sussurrou ele. Ouve, Ó Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor. Ele parou por um momento, atemorizado, e depois, vagarosamente, recomeçou a caminhar em direcção ao final da sala, os seus pés tocando silenciosamente o mármore branco. Logo adiante, encontravam-se os objectos sagrados do Templo, a mesa do Pão da Proposição, o altar do incenso, revestido de ouro, a magnífica menorá de sete braços, e, mais à frente, um tremulante e diáfano véu de seda, a entrada para o debir, o Santo dos Santos, onde nenhum homem poderia pisar, salvo o Sumo Sacerdote, sozinho, e ele o fazia apenas uma vez por ano, no Dia da Expiação.
Seja bem-vindo, David, disse uma voz. Estava à tua espera. Matias, o Sumo Sacerdote, aproximou-se, saindo das sombras, à esquerda do rapaz. Trajava uma veste azul-celeste presa com um avental tecido em ouro e púrpura; uma fina tiara adornava-lhe a cabeça, e no seu tórax encontrava-se o Ephod, o peitoral sagrado, com as suas doze pedras preciosas, cada uma representando uma das doze tribos de Israel. O seu rosto tinha muitas rugas, e a sua barba era branca. Enfim, encontramo-nos, filho de Judá, disse ele com mansidão, aproximando-se do rapaz para olhá-lo fixamente, acompanhado pelo suave tilintar dos doze minúsculos sinos costurados ao redor da bainha da túnica. O Eleazar, o ourives, falou-me muito de ti e disse-me que eras o mais destemido entre todos que defendem os lugares sagrados. E o mais valente. E o mais digno de confiança. Como se o David de outrora tivesse regressado… Foi o que ele disse». In Paul Sussman, O Último Segredo do Templo, 2005, Bertrand Editora, 2016, ISBN 978-972-253-056-9.

Cortesia de BEditora/JDACT