quinta-feira, 22 de março de 2018

Os Forais Tomarenses de 1162 e 1174. Manuel S. A. Conde. «A edificação, ou reforma? De poderoso castelo, em Tomar, iniciar-se-ia logo em 1160»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) A lógica da organização do espaço apontava agora para a constituição de unidades territoriais de dimensão apreciável, polarizadas por um aglomerado central, sede do poder senhorial e para a constituição de uma sociedade hierarquizada. O castelo de Ceras, a norte de Tomar, foi a primeira sede de poder, logo abandonada, alegadamente pelo estado ruinoso em que a fortificação se encontrava. Outras razões seriam porventura determinantes. Desde logo, a maior centralidade e relevância estratégica do morro da margem direita do rio de Tomar (o Nabão dos nossos dias), dominando este vale, no mais importante cruzamento viário da área (o morro da margem direita reunia condições que, no contexto da época, eram consideradas ideais para edificação de um castelo: le passage d’une rivière, la défense de ce passage et l’adaptacion aux conditions naturelles. Porventura, também, atendendo à tradição urbana da Almedina tomarense (em ocupação humana e polarização no espaço rural do Garb-al-Andalus: o Médio Tejo à luz da toponímia arábica, sustentámos a hipótese de o antigo lugar central da civitas de Sellium, porventura esgotado no seu protagonismo no período germânico, ter ressurgido nos primeiros séculos do domínio muçulmano, constituindo-se uma madina no morro da margem direita), note-se que a principal porta da povoação intramuros ostentou, sob domínio cristão, aquela designação árabe. A edificação, ou reforma? De poderoso castelo, em Tomar, iniciar-se-ia logo em 1160. Coeva da fundação da estrutura castrense, posto que não exista documentação abonando tal hipótese, deve ter sido a igreja de Santa Maria do Castelo, no interior da Cerca. Outros estabelecimentos religiosos iam surgindo na vila, nos finais do século XII, de grande importância na criação de relações inter-individuais duradouras e de uma identidade colectiva (referimo-nos à Charola, oratório dos templários, e à igreja de Santa Maria dos Olivais, erguida sobre as fundações do antigo mosteiro dos monges negrados; a criação de paróquias e a construção de novos templos, neste caso, de bem problemática datação, têm sido consideradas indicador seguro de desenvolvimento urbano).
Com o surgimento desta vila castrense, ressurgia, na sub-região, a vida urbana. O castelo, sede dos templários e garantia de defesa do seu senhorio, era também pólo dinamizador do espaço regional. Centro coordenador do aproveitamento agrícola do senhorio templário, a partir dele se dirigia a fixação de colonos, o arroteamento de terras, a drenagem do vale do rio de Tomar, onde se construíam canais e açudes, se promoviam a olivicultura, se instalavam moinhos, azenhas e lagares (note-se que os templários retomaram geralmente actividades experimentadas e bem sucedidas localmente sob o domínio muçulmano). Centro receptor de rendas e tributos, centro consumidor, era, assim, ponto de encontro de gentes de diversas origens e, decerto, local onde decorriam trocas e fluía o numerário. Por isso, atraía e fixava uma população crescente, cujos direitos e deveres urgia regular. A primeira carta de foral concedida por Gualdim aos moradores de Tomar em Novembro de 1162, aparecia assim em contexto de refundação de um pólo de uma área fronteiriça, inserida numa estratégia senhorial, que encontrada no terreno uma dinâmica sociopolítica fluida e espontaneísta, que importava gerir. Com esse objectivo, mestre Gualdim outorgava carta de foral aos moradores de Tomar, em Novembro de 1162. Era a primeira da área, vindo a servir de protótipo à moderação institucional de diversos concelhos nela constituídos, senhoriais e régios. Como atrás se disse, o regime jurídico outorgado pelos templários não se distinguia, aparentemente, do direito concelhio outorgado pelo rei nas áreas vizinhas da Alta Estremadura e da bacia do Mondego». In Manuel S. A. Conde, Os Forais Tomarenses de 1162 e 1174, Casa de Sarmento, Centro de Estudos do Património, Universidade do Minho, Revista Guimarães, nº 106, 1996.

Cortesia de CasaSarmento/RGuimarães/JDACT