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A
Mulher que Amou Jesus
«(…) Um novo entardecer, mais um
acampamento antes de Jerusalém. Enquanto montavam as suas tendas, Maria
percebia a excitação dos adultos, agora que se aproximavam da cidade. Desta
vez, o chão sob as mantas em que Maria se deitou era firme e liso, mostrando
que nada havia por baixo. Maria sentiu-se um pouco decepcionada, como se
esperasse encontrar algo de exótico e proibido a cada paragem que faziam
naquela terra estranha. Cuidadosamente, desatou o seu cinto onde estava a figura
gravada e guardou-a, envolta, próximo da cabeça. Não iria arriscar levá-la lá
para fora, onde havia tanta gente. E o pobre bracinho do deus mutilado também
ficou guardado. Mas ela estava consciente deles o tempo todo, como se a
chamassem, a atraíssem. Lutando contra o sono, perguntava-se o que encontrariam
no Templo. Em torno da fogueira, quando comiam, Eli disse: imagino que a
caravana inteira será revistada, só por sermos galileus. Sim, e provavelmente
também haverá mais guardas no Templo, acrescentou Natã. Muitos guardas. Dizia-se
que havia ocorrido algum tipo de problema, causado por um rebelde da Galileia. Judas,
o galileu, e a sua turma de bandidos!, disse Silvanus. Onde é que
pensava que poderia chegar com essa revolta? Estamos sob controle dos romanos,
e se eles decidem cobrar impostos, nada podemos fazer. Com essa resistência patética,
só faz as coisas piorarem para nós, que sobramos. Mas... Eli demorou um pouco,
mastigando, enquanto terminava o seu pensamento. Às vezes os homens podem ser
tomados por um sentimento de desespero e abandono e sentirem a necessidade de
agir, mesmo que a sua acção seja fútil. Mas pode ter certeza de que a festa em
Jerusalém será tranquila, disse Silvanus. Os romanos cuidarão disso. Fez uma
pausa. E fica contente em saber que temos o nosso reizinho, Herodes Antipas, lá
na Galileia, cuidando de todos nós, não fica?
Eli resmungou. Bom, pelo menos
ele é judeu, disse
Silvanus, mas num tom que Maria percebia que ele queria dizer o contrário. Uma
imitação bastante pobre, como foi seu pai!, disse Eli, respondendo à
provocação. Filho de uma samaritana e de um pai indomeu! Descendente de Esaú! E
pensar que temos de fingir que... Silêncio!, advertiu Natã. Não se fala dessas
coisas em voz alta fora de casa. Depois, riu, tentando brincar. E como pode
dizer que o pai dele não foi um bom judeu? Não construiu aquele belo templo? Não
era necessário, respondeu Eli. Bastava o templo original. Para Deus,
talvez, concordou Natã. Mas as pessoas querem lugares em que os seus deuses
estejam como estão os seus reis. Deus, em geral, quer mais, ou menos, do que
lhe oferecemos.
Seguiu-se um silêncio profundo,
pois o súbito comentário atingiu ambos os irmãos pela verdade. Rompendo o silêncio,
Eli disse: Maria, conte-nos como é a Festa das Semanas. Afinal, é isso que
iremos comemorar. Ser o centro das atenções pôs Maria na defensiva. Qualquer
outro poderia responder melhor à questão do que ela. É..., é uma das três grandes
datas que o nosso povo comemora, disse. Mas é o quê?, insistiu Eli, como se fosse um
examinador. E, concretamente, vinha a ser o quê? Havia uma história do cereal
estar maduro e de tantos dias depois da Páscoa... É 50 dias depois da Páscoa, disse
Maria, tentando lembrar. Também tem alguma relação com o cereal estar maduro. Que
tipo de cereal? Pare com isso, Eli!, disse Silvanus. Nem sabia disso
quando tinha 7 anos. É cevada..., ou é trigo, acho eu, tentou Maria. Trigo!
É a primeira colheita de trigo, que oferecemos a Deus, disse Eli. A história
é essa. As oferendas são depositadas no Templo. E o que é que ele faz com elas?,
perguntou Maria, imaginando que Deus soltaria um fogo imenso que queimaria
todas as oferendas. Depois do ritual, são devolvidas aos fiéis». In
Margaret George, A Paixão de Maria Madalena, 2002, Saída de Emergência, Edições
Fio de Navalha, 2005, ISBN 972-883-911-1.
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