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A dependência de Avis
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Apesar de permanecerem obscuros alguns pormenores relacionados com a visita de
1346 e, sobretudo, de desconhecermos o desfecho destas situações conflituosas
(certamente João Rodrigues Pimentel terá ganho porque continuou à frente da
Ordem, não havendo mais sinais de contestação durante o seu mestrado), o certo
é que os dados recolhidos, associados a outros anteriormente conhecidos, são
deveras importantes para um melhor conhecimento do tema que, basicamente, hoje
nos interessa: a dependência de Avis relativamente a Calatrava, tanto do ponto
de vista religioso, como na perspectiva política.
Começámos por afirmar que Avis se
regia pela Regra dada por Cister a Calatrava e que esta Ordem devia verificar o
cumprimento do estipulado. Houve, pois, uma dependência religiosa desde o
início e prova disso é o facto de as visitas a que acima fizemos referência
terem sido executadas por um cavaleiro acompanhado de um monge cisterciense.
Porém, em nenhuma das ocasiões se esclarece os motivos da escolha de um
determinado abade. Em 1346, por exemplo, porque é que é o abade de Almaziva, da
Diocese de Coimbra, que acompanha Pero Esteves? Até onde ia a intervenção dos monges
cistercienses? As três actas que chegaram até nós não permitem vislumbrar um
papel muito activo dos religiosos (para além da excomunhão lançada sobre João
Rodrigues Gouveia). Tão-pouco os restantes documentos conservados até hoje se
referem a qualquer intervenção de um monge cisterciense estranho a Avis na vida
da milícia.
Normalmente, a filiação da Ordem
portuguesa na castelhana tem sido identificada num único sentido: a confirmação
dos mestres eleitos no capítulo de Avis pelo mestre de Calatrava ou por um seu
representante. Mas os documentos de 1346 mostram-nos também o sentido inverso: cavaleiros
portugueses estão presentes no capítulo de Calatrava, primeiro a pedir uma visita
e depois a protestar dos agravos que haviam recebido aquando dessa mesma
visita. Ou seja, a dependência não era só vista do lado castelhano, mas também
o era do lado de Avis, porque alguns membros desta solicitaram directamente ao
mestre de Calatrava resolução de problemas internos da casa portuguesa. Seja
como for, a dependência de Avis não pode ser posta em causa. Quando, no século
XIV, se dá o Grande Cisma da Igreja, Avis alcança a independência
religiosa. Se a vontade de a alcançar já existiria, o motivo, bem simples, foi
então dado: Calatrava tinha aderido ao partido cismático. Daí que os
freires portugueses não tivessem aceite a visita que seria para confirmar Fernão
Rodrigues Sequeira, em 1387. A situação política nacional terá também influído
no desenrolar dos acontecimentos, mas o grave problema do Cisma deu ao pontífice
o motivo necessário para eximir Avis das visitas de Calatrava. A liberdade
conquistada parecia, contudo, provisória: em 1436, no Concílio de Basileia,
volta-se a entregar o direito de visita à ordem castelhana, que não mais deixa
de tentar exercê-lo, embora sem sucesso. O desmembramento das duas Ordens era
doravante um facto.
No tocante ao aspecto político,
gostaríamos de salientar a intervenção régia no processo de 1346. Desde o
início que a monarquia terá procurado afirmar a separação nítida das duas
Ordens. De outro modo, não faria sentido que Afonso Henriques autorizasse a
presença em Portugal de uma milícia que poderia constituir uma ameaça contra
ele (a não ser que as doações régias tenham o significado que Lomax atribuiu às
doações feitas pelo rei de Leão à Ordem de Calatrava, que visavam comprar a sua
neutralidade). Portanto, quando Afonso Henriques faz doações ou se refere aos
freires de Évora, não significa que não considerasse a Ordem filiada, mas sim
que ele a sabia politicamente autónoma relativamente aos castelhanos. Daí
também que os reis que lhe sucederam, nomeadamente Dinis I, tenham procurado
marcar bem a dependência da Ordem à monarquia portuguesa. A eleição do mestre Garcia
Peres Casal, imposta pelo monarca em 1314, é bem prova disso. Que se saiba, não
houve então visita, nem seria considerada necessária porque o monarca resolvera
o problema da sua ordem.
De facto, ao longo da Idade Média, o rei serviu de juiz nas contendas da Ordem
com os povoadores e com os concelhos do reino, mas também serviu de recurso a alguns
cavaleiros que, por este motivo ou aquele, para ele apelaram em busca de
resolução de conflitos internos da Ordem. O documento que nos fala da eleição
de 1314 diz-nos isso claramente: é o rei que acalma a grande discórdia
que havia entre os freires. O mesmo se terá passado em 1346 com Afonso IV, embora
não saibamos até onde terá chegado a intervenção régia.
O
comendador calatravenho, Pero Esteves, em visita a Avis, não só aceita a intervenção
do rei no litígio que opunha o comendador Fernão Rodrigues ao mestre João
Rodrigues Pimentel, aconselhando aquele a dirigir-se ao monarca para reaver os
seus direitos na Comenda, como lembra, em plena reunião capitular, que Avis
devia fidelidade ao rei português. Mas, conforme então proclamou João Rodrigues
Pimentel, não era preciso relembrar tal, pois que, como mestre, o ,seu
coraçom [devia] seer obediente e mandado. a seu senhor el rey (..) como
o el, dom Per'Estevez muy bem sabia». In Maria Cristina A. Cunha, Estudos
sobre a Ordem de Avis, séculos XII-XV, Faculdade de Letras, Biblioteca Digital,
Porto, 2009.
Cortesia
da Faculdade de Letras do Porto/JDACT