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Novos campos historiográficos e novas leituras da
passagem
«(…) De facto,
os modernos estudos de história demográfica começaram a levar os historiadores
a enxergarem numa perspectiva mais ampla penetrações e migrações dos povos não
latinos, na qual a parte das invasões seria apenas a ponta de um iceberg mais significativo
a ser considerado. De outro lado, os desenvolvimentos de uma história cultural
em perfeito diálogo com a Antropologia tornavam inaceitável a segunda parte da
expressão, a que permitia denominar certos povos como bárbaros. Da mesma
forma, esta mesma história cultural, com a sua revolução de novos objectos,
permitiu um exame mais pertinente da interacção entre as populações latinas e
germânicas, ao lado da avaliação de seus confrontos de alteridade. O encontro e
o choque de culturas, mais do que o entrechoque de exércitos, podia desempenhar
a partir daqui um papel mais central nas análises historiográficas. Ainda a
propósito da reavaliação da questão do impacto dos povos não latinos sobre o Império
Romano, será preciso considerar, acompanhando as interpretações historiográficas
mais recentes, que os povos não latinos (germânicos, citas) agridem ou adentram
o Império de muitas maneiras, e não apenas como invasores que podem ou devem
ser analisados de um ponto de vista estritamente militar. Assim, por exemplo,
se tomarmos apenas como foco de análise o caso dos godos nos seus dois
principais ramos, os ostrogodos e os visigodos, poderemos examinar várias
nuances de adentramentos em momentos diversos, e, certamente, um grande leque
formado por estas nuances ao longo de todo o processo. Os visigodos já vinham
enfrentando militarmente os romanos desde 251 d.C., obtendo algum sucesso, e
registam-se no decurso do século III muitas de suas incursões militares a
territórios romanos. Mas já no século IV, quando sofrem terríveis derrotas
diante de contingentes hunos vindos do leste e que os massacram e empurram para
o Oeste, é na qualidade de uma massa de cerca de 100.000 refugiados visigodos
que eles imploram e recebem autorização do imperador romano Valente para
atravessarem o Danúbio de modo a viverem dentro dos limites do Império. Ali
veremos multidões famintas e amedrontadas que atravessam o Danúbio, mais do que
aqueles guerreiros conquistadores que logo ficariam imortalizados na imagem do
saque de Roma no ano 410, e é nesta qualidade de uma massa de refugiados que
eles são acolhidos em princípios do século IV, sendo notável destacar que
passam inclusive a serem explorados pelas autoridades romanas com impostos
excessivos e condições de trabalho desfavoráveis. A exploração é tanta, aliás,
que já por volta da segunda metade do século IV eles estão a ponto de se
rebelarem contra o Império que os acolhera, e é agora um confronto sob esta
nova perspectiva, de povos que já estavam vivendo dentro dos limites do Império
e sob o jugo das autoridades romanas, e que contra estas se rebelam, que
veremos o embate de 378 entre romanos e visigodos, com a vitória destes últimos
na célebre e marcante batalha de Adrianópolis, onde integram um exército
confederado de povos não latinos que impõe pesada derrota ao exército imperial
romano. Na sequência, promoveriam saques de diversas cidades em direcção ao
Mediterrâneo. Depois disso, com muitas negociações, os visigodos são integrados
pelo exército romano, e já em 382 vemo-los estabelecidos pelo Imperador Teodósio
I numa província romana ao norte da Península Balcânica, onde desempenham um significativo
papel na defesa daquelas fronteiras do Império até ao ano 395. E será já como exército
vinculado ao Império que mais tarde, a partir de 401, em novo movimento para o oeste,
eles se insurgem, novamente se desvinculando da autoridade Romana, até que os acontecimentos
conduzem ao saque visigodo de Roma, sob o comando de Alarico, em 410. A história
não se encerra aí, e já em 418 veremos os visigodos estabelecerem-se no sul da
Gália e na Hispânia, já novamente como federados do Império, a partir de um
acordo entre o imperador Constâncio e o rei Ataulfo dos visigodos. Mas em 475
assistiremos um novo movimento de independência onde Eurico estabelece um reino
visigodo de Tolosa, desvinculado do Império». In José D’Assunção Barros, Papas,
Imperadores e Hereses na Idade Média, Editora Vozes, 2012, ISBN
978-853-264-454-1.
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