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A intriga de Compostela 1140-1142
Guimarães.
Outubro de 1140
«(…) Ele desaprovava a união da
minha cunhada a Afonso Henriques. Um devaneio pecaminoso, dizia-me, além de me relembrar
a existência de conversas com a casa da Sabóia. Contudo, sempre que lhe falavam
no tema e mesmo na ausência de Chamoa, Afonso Henriques enxofrava-se. Para
casar com alguém de fora, mais valia tê-lo feito com a Zaida!. Pelo menos, essa
entregava-me a Andaluzia! Que me pode dar uma princesa da Sabóia? São terras
longínquas, de nada me servem! Meu pai não o contestou, mas o sibilino arcebispo
de Braga, também presente, notou mais uma vez que as preferências femininas do príncipe
não se recomendavam. Uma normanda, uma moura e Chamoa? Nenhuma delas pode ser rainha!,
resmungou João Peculiar. Embora estes argumentos fossem compreensíveis, meu pai
e o arcebispo subestimavam o sentimento geral dos portucalenses, em cujos corações
se mantinha vivo o ódio aos Trava. Naquela sala, havia poucos que não tivessem
um motivo de rancor à notável família galega. Os ajustes de contas
encontravam-se por fazer.
João Peculiar e Egas Moniz estavam,
pois, isolados, não porque os restantes portucalenses não quisessem combater os
mouros, mas porque julgavam prioritário regressar à Galiza. E foi isso que ficou
decidido naquele Outono. Unidos à volta de Afonso Henriques, juntaríamos tropas
e faríamos a guerra a norte do rio Minho, mostrando ao Trava e ao imperador que
não iríamos parar antes de ver reconhecidos os direitos antigos do nosso príncipe.
Quando reportei a Maria e a
Chamoa as decisões tomadas naquela reunião magna, a minha cunhada mostrou-se agradada,
sobretudo porque seu pai seria finalmente colocado sob a protecção de Afonso Henriques.
Porém, notei nela um obscuro, mas silencioso, tormento, que só tempos depois identifiquei.
A pérfida intriga que Afonso VII lançara em Tui punha em causa Egas Moniz, que era
também um dos principais opositores à união de Chamoa com o príncipe de Portugal.
Havia, portanto, uma luta escrita nas estrelas, o meu pai contra Chamoa. Mas, se
esta falasse na intriga de Compostela, a sua união com Afonso Henriques poderia
não resistir ao embate com os conselheiros do rei.
Egas e Peculiar querem-me fora da
corte…
Ou Afonso Henriques derrotava em definitivo
Fernão Peres Trava e Afonso VII, tornando-se o rei de Portugal e da Baixa Galiza
e obrigando os portucalenses a aceitarem Chamoa como rainha, ou ela sofreria
uma perda dolorosa, talvez irreparável. Preocupada, retirou-se para o quarto e embalou
o recém-nascido Fernando Afonso.
Sereis rei, meu menino?
De seguida, chamou Pêro Pais e pediu-lhe
que lutasse ferozmente nas próximas batalhas. Fazei-o por mim, meu filho. Se Afonso
Henriques vencesse, o futuro de Portugal passaria pelos seus rebentos, foi a conclusão
da bela Chamoa, que desde criança sonhava ser rainha! E se perdermos?, perguntou-lhe
Pêro Pais. A minha cunhada engoliu em seco. Não queria expandir a terrível intriga
de Compostela, por isso rezou com fervor.
Apóstolo
Santiago, dai-me uma grande vitória!
Queridos filhos e netos, que pena
tenho de que também Chamoa não tenha confiado em mim, confessando-me as suas angústias
desagradáveis, as noites sem dormir provocadas por aquela historieta velhaca!
Eu estimava-a e teria sido um empenhado aliado em proteger a reputação do nosso
amado Afonso Henriques, mesmo sabendo que isso implicaria um provável conflito
com Egas Moniz. Um rei está acima do nosso pai. É duro, mas é assim». In
Domingos Amaral, Assim Nasceu Portugal, A Intriga de Compostela, Oficina do
Livro, Casa das Letras, 2017, ISBN 978-989-741-713-9.
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