sábado, 24 de novembro de 2018

Comunas ou Concelhos. História. António Borges Coelho. «As decisões chegam ao ponto de sujeitarem o salão ou funcionário policial régio a esta medida terrível: nenhum salão tome pescado de mar ou rio nem carnes que vierem a Leão»

jdact

Leão e Andaluz
Classes sociais em Leão
«(…) As classes sociais que se aliam ou opõem entremostram-se aqui e ali nas actas do concílio. Peão que tiver casa em solar alheio paga por ano dez pães de trigo, meia canada de vinho, um bom lombo e tenha por senhor qual quiser. Aqui identificamos um solarengo, um quase servo promovido a guerreiro-peão. Além da tributação expressa que se destina ao rei, há ainda a maquia recebida pelo senhor do solar. Não estamos ainda perante o peão dos forais dos séculos XII e XIII e mesmo dos peões dos forais da Beira e Trás-os-Montes de Fernando Magno (segunda metade do seculo XI). O cavaleiro com casa em solo de outro cavaleiro vá com o senhor do solo duas vezes à junta e tenha por senhor [ou chefe militar] quem quiser. Estamos perante cavaleiros, oriundos de homens dependentes, muitos ainda ligados pelas servidões da terra, mas promovidos a cavaleiros pelas necessidades da guerra. Das transcrições que fizemos ressalta a classe que está no outro horizonte social e a que pretendem alçar-se e servem os cavaleiros: a dos possuidores de solares onde habitam peões e cavaleiros, os senhores do solo, a alta nobreza senhorial. Estes estão do outro lado da barreira e cedem um pouco para se não perderem os ovos chocados pelas galinhas camponesas.

O caminho para povoar Leão
A reunião efectua-se expressamente para tomar medidas que levem a povoar Leão, mas esse povoamento só se alcança através de cedências sociais e do reconhecimento, não expresso mas tácito, do concelho preexistente. Atribuem-se-lhe mesmo verdadeiros poderes senhoriais dentro do alfoz. As decisões chegam ao ponto de sujeitarem o salão ou funcionário policial régio a esta medida terrível: nenhum salão tome pescado de mar ou rio nem carnes que vierem a Leão. Se o fizer, desnude-o o concelho, dê-lhe cem açoites e tragam-no pela praça da-cidade com a corda ao pescoço. Assinale-se, antes de mais, as dificuldades de abastecimento dos centros urbanos e das explosões sociais que suscitavam. Repare-se depois que quem resolverá desnudar o salão e aplicar-lhe a pena de cem açoites é a associação-assembleia ou consilium. Por outro lado, esta medida demagógica pretende desviar a revolta das massas para um bode expiatório, deixando a salvo da sua ira os dirigentes e responsáveis (quando eram). Por último, é de registar que faltam ao concelho conquistas bem mais decisivas: o direito escrito de cambar (mudar) de dirigentes todos os anos; coutamento (inviolabilidade) do domicílio dos burgueses (habitantes do burgo), etc.. No entanto alcançam uma conquista decisiva: em Leão, nas outras cidades do reino e respectivos alfozes, os pleitos judiciais deverão ser decididos por juízes eleitos, o que parece equivaler a outorgar a resolução dos problemas internos das cidades e seus termos ao colectivo dos habitantes.

As tensões sociais atrasam a Reconquista
As marcas de tensão social que então se vivia estão impressas por toda a parte no documento. Esqueçamos que a tomada de Leão por Almançor, ocorrida trinta e dois anos antes, é a causa expressa do despovoamento. Esqueçamos o que poderá acontecer ao salão quando se inflama o caldeirão popular. Por toda a parte se veiculam as tensões: servos que pretendem escapar das malhas cerradas da servidão humana homens livres que disputam entre si a presúria e a repartilha consequente dos territórios cristãos; clero regular que afronta o clero secular; monges que se rebelam contra os seus abades; nobres que se opõem ao clero». In António Borges Coelho, Comunas ou Concelhos, Editorial Caminho, colecção Universitária, Lisboa, 1986.

Cortesia de Caminho/JDACT