jdact
Cárceres e quotidiano
Polé e potro
«(…)
Potro
l. Sentar o réu no potro e pôr-lhe a coleira.
2. Atar em oito partes sem apertar (uma corda por cada braço por 4 partes
e outra corda em 4 partes por cada perna).
3. Meter os arrochos nas quatro partes.
4. Meter os arrochos nas oito partes.
5. Começar a apertar em quatro partes.
6. Começar a apertar em oito partes.
7. Apertar ¼ de volta em 4 partes.
8. Apertar ¼ de volta em 8 partes.
9. Apertar meia volta em 8 partes.
l0. Volta inteira em oito partes.
Alguns presos suportaram dois, três e mais tratos espertos. Francisco
Lopes, o Serralvo, sapateiro de Beja, 50 apos, assentado no potro,
recebeu cinco voltas e falou. Por ter comprometido diferentes pessoas,
terminaria assassinado na serra de Monchique quando já noite se preparava para
dar de beber ao jumento. Álvaro Fernandes Castanho, de Loulé, 64 anos, que
vivia por sua fazenda, sofreu em 14 de Junho de 1636 três tratos espertos de
que resultou quebrar um braço, vindo a morrer no dia seguinte pisado do peito e
ensanguentado.
Também Isabel Gomes, meia cristã-nova, casada com um hortelão
cristão-velho de Arraiolos, 45 anos, foi posta a tormenta a 17 de Setembro de
1640. Aplicaram-lhe um trato esperto. E por lhe ter rebentado o sangue nos
braços faleceu no dia seguinte. Lembramos de novo o padre Gaspar Miranda: des
que os prendem(maldita)
de Évora dão-se agora [tormentos] a muitas mais pessoas, e a cada uma mais
graves, ou mais em número, do que se davam dantes. O memorando de Gaspar
Miranda constitui um implacável requisitório:
até que os soltam padecem muitos e graves tormentos nos corpos,
e nas almas, principalmente os que estão em tal cárcere que por si só é
tormento. E prossegue: na Inquisição
A alguns ameaçam com tratos; a outros põem a vista deles; a outros
aparelham por lhos darem, sem determinação de os executarem em nenhum deles,
porque os não merecem. Mas para que assim confessem, fazem os inquisidores
figuras, ou ficções, e usam de invenções, com que os enganam e persuadem que
realmente lhes darão tratos se não confessarem. E por isto confessam, principalmente
os fracos, ou simplices, ou moços, ou mulheres.
Mas não se trata só de simulação ou de coacção psicológica. Comummente
se dão tão cruéis, acrescenta Gaspar Miranda reportando-se aos tormentos, que
toda a vida duram os sinais. E algumas pessoas ficam aleijadas e inúteis,
outras morrem neles ou perigam gravissimamente, maxime velhos ou fracos. Assim os
constrangem a confessar falsidades de si e de outros. E recebem-nas. E procedem
neles como se fossem verdades confessadas livremente.
Céu de chumbo
Mandai-lhes que não chorem nem suspirem rijo porque presumem que é
darem sinal aos dos outros cárceres. Se falam de um cárcere para outro ou batem
nas paredes, vem o castigo. Com pregão do guarda, põem-lhes mordaça e
açoutam-nos pelos corredores, não escapando donzelas e moças. Estas palavras de
Notícias Recônditas são confirmadas pelo Regimento de 1640: ordenará [o
alcaide] que haja sempre muita quietação no cárcere; e que os presos não tenham
brigas ou diferenças entre si; nem joguem jogo algum; nem usem nomes diferentes
dos que tiveram; nem tenham livros; nem se comuniquem de um cárcere para outro batendo,
falando ou escrevendo. E que falem manso naquele em que estiverem». In
António Borges Coelho, Inquisição de Évora, dos Primórdios a 1668, volume 1,
Editorial Caminho, colecção Universitária, Instituto Português do Livro e da
Leitura, 1987.
Cortesia Caminho/JDACT