domingo, 25 de novembro de 2018

Inquisição de Évora. Dos Primórdios a 1668. António Borges Coelho. «Haverá uma casa com os instrumentos necessários para nela se dar tormento aos presos. A planta de Mateus do Couto não indica expressamente a sala do tormento…»

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Cárceres e quotidiano
Nos cárceres de vigia
«(…) Com estas testemunhas e estes testemunhos se preparavam juridicamente as pessoas para a morte. Manuel Fernandes Vila Real (queimado no Terreiro do Paço no dia 1.º de Dezembro de 1652, na presença do rei João IV a quem tanto ajudara a segurar a coroa), Manuel Fernandes Vila Real vira agravada a sua situação ao descobrir o segredo dos cárceres de vigia da Inquisição (maldita) de Lisboa. Sem querer dizer de seus irmãos que tem nesta cidade nem de pessoa alguma que nela resida e ser tão manhoso que atinou com os buracos das vigias dos cárceres e tapou os da quinta casa do meio novo [...] Causaria notável prejuízo ao ministério do Santo Ofício (maldito) publicando e descobrindo o segredo das vigias, que é de tanta importância, podendo-se temer com toda a certeza que seria o réu, escapando, de grandíssimo dano ao tribunal da Inquisição (maldita) e seu justo procedimento, o que muito se devia e deve atender ainda no caso que este réu pudesse chegar a estado de escapar com vida.

Polé e potro
Haverá uma casa com os instrumentos necessários para nela se dar tormento aos presos.
A planta de Mateus do Couto não indica expressamente a sala do tormento, a qual, apesar disso, funcionava, pelo menos aplicando os tratos de polé desde os primeiros anos da Inquisição (maldita) de Évora. Inclinamo-nos, à vista da planta, a situá-la no piso térreo, numa das duas salas que também serviam de prisão, uma delas amurada ao templo romano/açougue. Em 1542, Duarte Fernandes, marceiro, de 45 anos, natural de Lisboa e residente em Moura (o pai fora trapeiro fabricando panos), foi submetido a tormento. Subido no ar, foi-lhe lido o libelo e aplicaram-lhe três tratos, leves e fracos os dois primeiros, o terceiro mais forte. Descido, foi novamente içado, sofrendo o quarto trato. Em 1572, Tomás Alvares Barselai, de Beja, de 50 anos, que vivia por sua fazenda, foi atado pelos ditos ministros e amoestado com caridade. Disse que todos serão hereges e maus cristãos, o que disse com clamores grandes [...] E logo disse que tudo o conteúdo no dito libelo confessava. E disse que o descessem abaixo que todos serão judeus. E perguntado o que queria dizer, disse que não sabia que dissesse. Que acabassem de o matar. E foi alevantado. E estando alevantado do chão disse por muitas vezes que todos eram judeus na vontade e não lhes vira fazer cerimónias. E foi levado a toda a riba da polé. Disse que não sabia mais que dissesse. E logo foi solto e deixado cair. E tornado a amoestar por muitas vezes com caridade sempre disse que tinha dito muita verdade e foi mandado levar ao seu cárcere. A palavra caridade queima aqui como ácido.
Em 20 de Novembro de 1593, os inquisidores Jerónimo Teixeira Cabral, João Bragança e Rui Pires Veiga escreveram ao arquiduque Alberto, cardeal, governador e inquisidor-geral do reino de Portugal. Senhor, querendo proceder a execução do tormento com as pessoas que forem despachados com ele, achamos que alguns deles eram quebrados e outros doentes destes males. E porque esses e outros, conforme ao parecer do médico e cirurgião, não podem ter trato esperto sem provável perigo de sua vida, nos pareceu que o melhor remédio que havia, para a justiça não perder seu direito e eles poderem salvar suas almos, dizendo a verdade de suas culpas, era fazer-se nesta Inquisição (maldita) um potro como o há na de Lisboa. Porque no tormento dele não correm as ditas pessoas o perigo que arreceamos no outro. E poderia também servir para velhos e outros que têm algum impedimento por respeito dos quais o tormento da polé lhes fica mais dificultoso. O cardeal Alberto respondeu favoravelmente.
A 29 de Novembro insistem os inquisidores de Évora: recebemos a carta de V. Alteza de 24 do presente em que V. Alteza há por bem haja nesta Inquisição (maldita) o potro, que escrevemos nos parecia houvesse nela para os que não podiam ter tormento de polé. O que faremos logo e daqui por diante usaremos dele com todos. Como V. Alteza manda para este o que está na Inquisição (maldita) dessa cidade e fazer então por ele vai lá Lourenço Dias, carpinteiro desta casa, da maneira que V. Alteza mandou. A prática que até agora tínhamos no tormento de polé era dar a cada um os graus de tormento, conforme aos indícios que tinha. E estes graus eram ad faciem tormenti; começá-lo a atar; atado de todo; começá-los a levantar; alevantá-los até, ao lugar em que se lhes lê o libelo; alevantados até à roldana; tratos corridos; um esperto; dois espertos; e os que pudesse levar a arbítrio». In António Borges Coelho, Inquisição de Évora, dos Primórdios a 1668, volume 1, Editorial Caminho, colecção Universitária, Instituto Português do Livro e da Leitura, 1987.

Cortesia Caminho/JDACT