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de wikipedia e jdact
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Dada a implantação tipificada para as necrópoles islâmicas, invariavelmente no
exterior da cidade dos vivos (as excepções admitidas estavam reservadas
a personagens de elevado estatuto social, como elementos da família real ou em
situações de assédio militar à cidade), é seguro que a zona a este de
Alporão se manteve vazia de construções durante os primeiros séculos após a
integração da cidade nos domínios muçulmanos uma vez que as inumações
continuaram, interceptando frequentemente os contextos funerários anteriores.
Os seus aspectos formais são absolutamente consonantes com os rituais
prescritos pela religião do Corão, uma vez que os cadáveres foram depositados
em decúbito lateral direito, no interior de simples fossas escavadas na rocha,
não se detectando qualquer espólio votivo associado.
No
entanto, se bem que todos os enterramentos identificados partilhassem as
características mencionadas, verifica-se que alguns deles, restritos à secção
Norte da área intervencionada, têm uma orientação ligeiramente desfasada da
posição canónica, estando orientados Norte/Sul, com a face virada a Nascente.
Já no quadrante sul e sueste da área intervencionada, todos as sepulturas estão
dispostas na direcção NE/SW que no Al-Andaluz garantia um correcto alinhamento
com a quibla (a sua
direcção astronómica encontra-se em torno dos 100 graus, mas era considerado
válido qualquer ponto no quadrante SE). Obviamente que os
períodos de transição tendem a originar situações de heterodoxia, quer pela
natural vigência de soluções de continuidade, quer pela reduzida intensidade
dos novos comportamentos e opções culturais. O incremento da actividade
arqueológica das últimas décadas tem-se revelado fundamental para revelar,
ainda que timidamente, o conspecto material dessas alterações. A mesma
hesitação na orientação dos enterramentos de período islâmico tem sido
referenciada em assentamento rurais, estruturalmente menos permeáveis às
mudanças culturais, como no sítio do Vale do Bouto, Loulé, onde algumas
inumações em decúbito lateral continuaram a ser orientadas E-W, mas também em
povoações marcadamente urbanas como Mértola, onde 13% dos esqueletos do Rossio
do Carmo estão, à semelhança dos identificados em Santarém, depositados no
sentido Norte-Sul.
Em
ambiente urbano, o desajustamento da orientação nos primeiros momentos da
presença islâmica pode ser explicado pela conversão de templos anteriores em
mesquitas, o que implicava um desajustamento da quibla face à sua direcção astronómica e cartográfica. É
certo que frequentemente o mirab era colocado na parede Sul por una aversion a orar
hasta Este (a imitar a los cristianos), mas possivelmente, em especial
nas cidades mais afastadas dos centros políticos e religiosos do Al-Andaluz
e/ou junto de comunidades recentemente islamizadas, as igrejas poderão ter sido
utilizadas sem alteração, o que explicaria a orientação N/S de algumas das
sepulturas de Santarém e também de Mértola. Só a construção ex-novo de templos
permitiria orientá-los perfeitamente para Meca pelo que a construção da
mesquita aljama de Santarém pelo califa Hisam II, no século X, poderá
ter contribuído para normalizar o ritual funerário, difundido definitivamente a
solução canónica por todos os necrotérios da cidade.
Este
espaço de necrópole foi abandonado ainda durante o domínio islâmico, uma vez
que vários enterramentos foram interceptados por estruturas negativas,
correspondendo certamente a silos, posteriormente reconvertidos em lixeiras e
entulhados com despejos domésticos. Muito embora seja necessário sistematizar o
estudo de todos os materiais arqueológicos recuperados no seu interior, a
datação contextual da última utilização de algumas estruturas aponta para um
período entre a segunda metade do século XI e a centúria seguinte.
A
reorganização funcional nos séculos XI-XII
Consideramos
que amortização da função funerária neste espaço não estará relacionada com um
processo de expansão do tecido urbano, mas antes com os equilíbrios
geoestratégicos observados no extremo ocidental da Península e que colocaram
Santarém, precisamente nessa cronologia, na linha da frente dos confrontos
entre as unidades políticas que se digladiavam pela sua administração. O sinal
de alerta definitivo para o campo muçulmano terá sido a integração durante 18
anos da cidade nos domínios leoneses». In
Marco Liberato, Novos dados sobre a paisagem urbana da Santarém medieval
(séculos V-XII), a necrópole visigoda e islâmica de Alporão, Revista
Medievalista, Nº 11, 2012, ISSN 1646-740X.
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